Assimetria e o Outubro Rosa
Somos a maior geração de sobreviventes do câncer. Em relação às pacientes acometidas por lesões na mama, essa parte do nosso corpo que nos faz sentir mulher, sobrevivemos de forma assimétrica. É bem verdade que simetria não é uma certeza para ninguém. No entanto, a retomada do contorno corporal e a reconstrução são partes essenciais do tratamento e vão muito além da questão estética.
Te explico o porquê.
Depois de realizar a cobertura jornalística completa do Carnaval 2023, desde a abertura no Marco Zero até as ladeiras de Olinda, passando pelo Galo da Madrugada, literalmente enfaixada, perdi meu primeiro implante mamário. Havia colocado a prótese para recuperar o volume perdido junto aos 7kg a menos na balança, após a retirada do tumor e meses de medicação. Isso tudo no auge dos meus 30 e poucos anos. A pele simplesmente cedeu. Rasgou-se. Junto com a esperança de simetria. A derme havia sofrido com a radioterapia e não suportou a intervenção cirúrgica que tinha sido feita meses atrás.
Foi meu primeiro (sim, porque depois teve mais) explante no consultório. Tal qual um parto normal. Cru. “Efeito C”. ”Aquilo com C”, que ninguém quer nem falar o nome.
E mesmo quando a gente tenta se refazer, parece que não se resolve de uma vez. Em 2024, a história se repete, dessa vez na Páscoa. Passa o carnaval, outro parto normal. E mais de um ano se passa, até juntar os pedaços de novo para se refazer, outra vez.
A partir daí, a luta pela simetrização se intensificou. É difícil “arrumar” uma roupa que caiba um enchimento disfarçado. É preciso seguir como se dois “peitos” tivesse, porque a sociedade não aceita um só, mas a gente tem que aceitar. Ou não.
Só 30 por cento das mastectomizadas conseguem fazer sua reconstrução. Se reconstruir. As técnicas têm avançado, com retalhos de músculos e peles de outras partes do corpo, mas o abismo social afasta as mulheres atendidas pelo SUS do desejo de ter de volta a harmonia do corpo. É preciso incentivar esse acesso para que as cicatrizes nos fortaleçam e se tornem de vez marcas de batalhas vencidas. Mas isso é história para “Depois do C”.
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