Sex, 05 de Dezembro

Logo Folha de Pernambuco
Opinião

Cada jogo tem a sua história e a regra é clara

Começou na Lava Jato e se agravou (e continua) no Supremo. A pretexto do que seriam “circunstâncias excepcionais”, que, segundo algumas autoridades, e seus simpatizantes, autorizariam a exorbitância de certos atos, por boas intenções ou não, o fato é que regras penais, normas administrativas e garantias individuais e processuais foram e vêm sendo violadas. 

Em Curitiba, aquilo que começou com uma investigação relativa a operações de câmbio irregulares, a pretexto do combate à corrupção, ampliou-se, em uma espécie de “juízo universal”, para abranger Petrobrás, Eletrobrás, sítio em Atibaia e apartamento no Guarujá, acabou sendo anulado pelo STF, porém, por meio medidas recursais e decisões para lá de heterodoxas.

Embora tenham sido cometidas inúmeras irregularidades, por juízes e membros do ministério público (que, entretanto, apesar dos erros de conduta e de condução, não inventaram os bilhões de propina devolvidos), a anulação das decisões da Lava Jato, pelo STF, foi um erro formal evidente, pois aconteceu quando já preclusas as questões, isto é, quando a fase, o tempo e o momento processuais não mais as comportavam.

Ultimamente, como já escrevi em outras oportunidades, ao argumento de que a democracia e o estado de direito estariam sob ameaça, a Corte está a processar, condenar e prender, em bloco, sem competência, na base da “subjetividade, criatividade e improviso”, pessoas acusadas de golpe, que não têm prerrogativa de foro, muitas das quais realmente depredaram o patrimônio público, no dia 08.01.23, mas que não tinham qualquer meio para “derrubar” o poder eleito ou algo que o valha.

Exemplos mais recentes dessa clara disfunção institucional, são a prisão domiciliar de Bolsonaro, com policiamento, 24 horas, no “quintal” da casa do ex-presidente, e a apreensão do celular do Pastor Malafaia, dentre outros atos, em face de pessoas, tidas por “inimigas” da pátria, a partir de concepções completamente fora de propósito do Min. Moraes, o qual, é preciso repetir, sequer tem competência para funcionar nesses processos.

Essas medidas foram ordenadas ao argumento de que o ex-presidente e o líder religioso estariam praticando “coação no curso do processo” e outros ilícitos, a partir da análise de conversas privadas e de opiniões, colhidas em operações de busca e apreensão com nítidos traços de “pesca probatória” (essa expressão significa busca aleatória e indiscriminada por provas para tentar incriminar alguém).

Não se trata aqui de ser contra ou a favor desse ou daquele político, partido ou linha ideológica, muito menos de analisar o mérito das causas em referência ou de tentar desqualificar, nos planos técnico e moral, juízes, membros do ministério público e de outras instituiçöes.

O que busco mostrar, por meio dessas linhas, é que “lawfare”, direito penal do inimigo, restrições à liberdade de expressão, relativização de regras em geral, sobretudo violações ao devido processo legal, à presunção de inocência e mesmo à advocacia, normalizaram-se no Brasil.

Por incrível que pareça, isso vem acontecendo com o apoio de grande parte da imprensa, da comunidade jurídica, da academia e de políticos e seus apoiadores, que estão a se comportar como “torcidas organizadas”, que costumam aplaudir o “juiz” quando o “impedimento”, “o gol de mão” e os “pênaltis inventados” atingem o “time adversário”.

Para além do absurdo que essa situação, por si só, representa, o problema é que, diferentemente de um jogo de futebol qualquer, essa “arbitragem viciada” tem ido muito além do FLA x FLU partidário em que se transformaram a justiça e a política no Brasil.

Isto porque, os precedentes, derivados desses atos, processos e procedimentos, “ditos excepcionais”, estão se espalhando pelo sistema e, nesse norte, põem-se capazes de atingir qualquer um que se veja, justa ou injustamente, diante de uma investigação, de um processo ou mesmo à frente de uma simples demanda administrativa.

A quem apoia o fato de o político de quem não se gosta (ou que merece desprezo) sofra os ônus de atos “excepcionais” e de processos ilegais e ilegítimos, posso garantir: a próxima “vítima pode ser você” e a primeira coisa que virá à sua cabeça, quando tiver que enfrentar
o poder do Estado, serão as garantias individuais e processuais, assim como o devido enquadramento de seus atos aos estritos termos da lei.

Ou seja, “você” quererá para si todos os direitos e garantias que são (ou foram) negados aos seus desafetos, sob os seus calorosos aplausos.

Por isso, ao contrário do que se possa imaginar, defender o garantismo para todos, indistintamente, isto é, a prevalência das regras e a higidez dos
processos, para qualquer pessoa, em quaisquer circunstâncias, não é ser a favor de golpes, defender corruptos, ser formalista em excesso, ignorar a essência das coisas, querer privilégios ou permitir a impunidade.

Sem a certeza da submissão à lei, de quem exerce os poderes, estado e autoridades se tornam instrumentos de perseguição, transformam-se em
elementos piores do que aqueles que devem ser investigados, processados, julgados e - se culpados - punidos, pois a força pública nunca será legitima quando exercida à margem das regras.

A verdade é que quando o autoritarismo, a desordem e a arbitrariedade se instalam, não importam o pretexto, as circunstâncias ou as intenções, ninguém está a salvo de sofrer abusos e injustiças, nem mesmo as “torcidas organizadas”, que batem palmas para a “arbitragem amiga” sem se lembrar que “cada jogo tem a sua história” e que não vai adiantar “vaiar o juiz” quando a partida for no “campo do adversário” e o “apito” mudar de lado.

A “regra é clara”, mas quando não vale para todos, não vale para ninguém.
___

*Sócio do GCTMA Advogados, procurador aposentado do estado de Pernambuco, conselheiro de Administração/IBGC


Os artigos publicados nesta seção não refletem necessariamente a opinião do jornal. Os textos para este espaço devem ser enviados para o e-mail [email protected] e passam por uma curadoria antes da aprovação para publicação.

Veja também

Newsletter