Seg, 22 de Dezembro

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opinião

Mais que uma mera polarização

Observando-se o atual cenário político em que estamos, forçosamente, envolvidos, conclui-se, de forma fatal, que paramos no tempo, envoltos em duas bestas escolhas entre quem deve deter as rédeas do País, como se não existisse mais opção entre os mais de duzentos milhões de brasileiros.

Essa tola percepção, ao invés de ter desaparecido, ou ao menos diminuído, depois das experiências que tivemos com ambas as figuras que lideram essa divisão, só aumenta a cada dia, guiada pelos sentimentos mais mesquinhos, que dobram e redobram as apostas, não para se comprovar a escolha do melhor para o País, mas para, inacreditavelmente, ver quem tem razão.
Nessa burra toada, seguimos há alguns anos, erguendo e soerguendo bandeiras vãs em defesa de um lado ou de outro.

Se ainda não há clareza nesse intróito de autêntica e legítima opinião de mais um dos que integram os milhões de brasileiros, vou chegar mais perto agora, com a seguinte ilação: a solução para o País não pode ser atribuída a duas únicas opções de representatividade política, tampouco a idéia suicida daquela música que pregava ser a solução do País, alugá-lo. 

Não, deveras não. Temos “um tento ou cento” (parafraseando Guimarães Rosa), de caminhos para que nosso Brasil possa voltar aos trilhos, sem que se acentue mais ainda o fosso e indesejável que a tantos separa, como se dependêssemos dessa indesejável cisão para sair de uma medonha e crônica crise em que fomos inseridos.

Não é possível que ainda estejamos no mesmo ciclo de indecisões e divergências, em que nos encontrávamos, desde que se instalou no Pais essa pequenez humana, que nos circunscreve, indesejavelmente a dois lados, de mesma ou quase mesma moeda.

Os desafios para a sobrevivência do País são maiores do que essa tal de “polarização”,  até na infeliz escolha do termo adotado para denominá-la..
É curioso observar como essa disputa reducionista nos relega à condição de torcedores fanáticos de um campeonato em que só existem dois times. Assim, assistimos a uma pantomima de vaidades, onde cada tropeço é saudado como triunfo pelo adversário, e cada vitória é celebrada como se resolvesse o drama nacional.

Enquanto isso, os problemas reais — saúde precária; educação claudicante; segurança pública em frangalhos; meio ambiente dilacerado — seguem aguardando na fila da UPA institucional, sem senha e sem médico de plantão. 

A política converteu-se, então, em espetáculo de circo mambembe, no qual apenas duas apresentações disputam a preferência da plateia, esquecendo-se de que, ao final, o picadeiro continuará sujo e a lona, rasgada.

Não nos enganemos: esse ciclo de ódios alternados não nasceu de geração espontânea. Ele foi cultivado, regado e adubado com esmero. E como toda planta venenosa, espalha raízes profundas e difíceis de arrancar. A insistência em manter a narrativa do “ou um ou outro” acaba sendo, talvez, a mais eficiente estratégia para perpetuar a mediocridade, pois anula a possibilidade de surgimento de novas lideranças, de caminhos alternativos.

Se há, de fato, um inimigo a ser combatido, não é o eleitor vizinho que ostenta bandeira contrária na janela, mas o estado de letargia cívica que nos acometeu. É a crença, preguiçosa e cômoda, de que a democracia pode sobreviver a fórmulas prontas, como se bastasse apertar um botão a cada quatro anos para expiar nossas culpas políticas.

Talvez, ironicamente, sejamos nós mesmos os culpados dessa miséria de escolhas. Pois, ao aceitarmos a lógica binária, reduzimos a política a um jogo de espelhos, em que sempre veremos refletida a mesma imagem, apenas com maquiagem diversa. E assim, o País se assemelha àquele personagem machadiano que, dividido entre dois amores, acaba por perder ambos e, de quebra, a própria dignidade.

Urge, portanto, romper essa cerca mental que nos limita. O Brasil não se resume a dois nomes estampados em cartazes, nem tampouco sua grandeza pode ser reduzida a paixões cegas. Há milhões de brasileiros capazes, estudiosos, honestos, que permanecem à margem porque o palco político foi sequestrado por gladiadores de feira.

Mais que uma mera polarização, o que vivemos é a amputação deliberada de nossa capacidade de imaginar alternativas. E essa, sim, é a verdadeira tragédia nacional. Pois, enquanto a nação se entretém com a disputa dos mesmos contendores de sempre, o futuro escorre, silencioso, pelos dedos da história.

Talvez um dia despertemos, já tarde, e nos perguntemos como foi possível gastar quase uma década discutindo quem “tem razão”, enquanto o País, coitado, implorava por soluções. Até lá, seguimos no espetáculo, torcendo, vaidosos e cegos, como se o jogo tivesse apenas dois lados.
 


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