O ouvido da mente
Estava tendencioso a colocar “quem vê cara não vê coração” no título. Optei pelo que está aí em cima. Achei-o mais inteligente e mais sutil. Copiei de autor inglês (1) que escreveu: se você está com dificuldade para descrever um rosto ou uma paisagem, tente o seguinte: feche os olhos e descreva o que vê dentro de sua cabeça. ... É também o ouvido da mente. No alvo!
O animus, após o título, veio a partir de matéria de uma revista. O autor pergunta “podem gângsteres ter um fraco pelo belo?”. A matéria discorre sobre peças de arte compradas pelos chefões da Cosa Nostra. Fala num deles, que possuía peças valiosas na cozinha, no banheiro e embaixo da cama. Se a pergunta fosse feita a este ser, responderia, sem pestanejar: - “sim!”, completando: o “belo é belo”.
No Brasil, centenas de obras que estavam na mansão de um banqueiro foram apreendidas por autoridades. Num único leilão, apenas três delas foram arrematadas por R$ 6,7 milhões; outro, arrecadou R$ 25 milhões. A receita serviu para diminuir o prejuízo dos credores. Podemos dizer que o banqueiro não tinha bom gosto? Presumo que não. O seu pecado foi o de adquirir o acervo por meios, digamos, transversais.
A questão do bom gosto não tem sobrenome nem está ligado diretamente ao bolso do colecionador, que pode fazê-lo por pura vaidade, para lavar dinheiro ou porque gostaram do que viram. Não estou generalizando, até porque se sabe que gente forte pagou fábula por valiosa obra, para satisfazer o desejo de tê-la no acervo. Só não sabia que a peça era falsificada, com direito a certificado de garantia.
Um bom exemplo é o de Pérez Simon, espanhol radicado no México, dono da maior biblioteca privada do país e um dos maiores colecionadores de arte do mundo. A família, pobre, foi para o México na 3ª classe de um navio. 28 dias de viagem. Em 2014, a empresa de Simon tinha mais de US$ 12 bilhões em ações. Resumindo, o empresário possuía dois hobbies: ganhar dinheiro e colecionar obras de arte.
Outro bom exemplo é o de Jairo Lima, nascido no sertão pernambucano, a 256km da capital, num município de 40 mil habitantes (anos 70). Era leitor voraz, escritor, teatrólogo, publicitário, papo agradabilíssimo, bom de bico, bom de prato, bom caráter etc. Adorava ópera, a ponto de juntar US$s para ir com a família ver, sentir e se emocionar com espetáculos no Metropolitan Opera, em NY, EUA, a quase 7 mil Km de distância. Detestava voos aéreos; para aguentar o tempo entre ida/chegada, ficava mentalmente cantarolando árias. É o melhor exemplo que bom gosto não exige sobrenome, riqueza, diploma de Harvard ou título de propriedade de valiosas obras de arte. Está na cabeça e no coração da pessoa. Simples assim.
(1) Martin Amis
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