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Os pangarés recifenses já obtiveram a graça judicial - II

A Folha de Pernambuco, em 09/05/2022, na coluna Opinião, publicou matéria sob o título “Os pangarés recifenses merecem indulto”. Sobre esse tema, que permanece em evidência, alguns esclarecimentos devem ser renovados, pois continuam bastante oportunos — especialmente porque se trata de questão que vem trazendo inúmeros transtornos à locomoção dos recifenses.

Volta e meia, carroceiros que utilizam veículos de tração animal bloqueiam as principais artérias da cidade em protesto contra a efetividade da Lei Municipal que proibiu esse tipo de veículo em Recife. O que se observa é que tais protestos vêm ocorrendo com frequência cada vez maior, além de apresentarem estratégias logísticas mais elaboradas.

Se antes os atos se restringiam à frente da Câmara de Vereadores do Recife, agora os bloqueios são realizados também nas vias de entrada da cidade e em suas principais avenidas, como a Agamenon Magalhães. O resultado é o caos: praticamente toda a malha viária do Recife fica paralisada, com transtornos generalizados.

Creio oportuno reproduzir alguns pontos relevantes sobre o tema.

Em 2013, foi sancionada a Lei Municipal nº 17.918/13, que, em seu artigo 1º, dispôs expressamente:

“Fica proibida a circulação de veículos de tração animal, a condução de animais com cargas e o trânsito montado em todo o Município do Recife.”

Como se vê, a norma é de clareza solar quanto à proibição. Todavia, para sua eficácia plena, o artigo 12 estabeleceu que o Poder Executivo Municipal teria o prazo de 120 dias para regulamentá-la. Aí reside o nó da questão.

Dois anos após a promulgação, sem que houvesse regulamentação, o Ministério Público de Pernambuco, sempre diligente e atuante, expediu em 2015 recomendação ao Executivo municipal. Nada foi feito.

Sem se conformar com a omissão, o Ministério Público manejou a ferramenta jurídica adequada — o Mandado de Injunção nº 449.586. O Tribunal de Justiça de Pernambuco concedeu a ordem injuntiva, reconhecendo a mora legislativa , ao considerar que a ausência de regulamentação não poderia tornar ineficazes os preceitos de uma lei válida.

Alguns dados impressionam: há oito anos, em 2017, foi julgado o mandado de injunção e, até hoje, nem a lei nem a decisão judicial foram cumpridas. Os argumentos para justificar a inércia são variados, mas, na prática, permanece o conhecido “Tudo como dantes no quartel de Abrantes”.

Não há dúvida de que se trata de questão social relevante. Contudo, não é por isso que o problema deva ser indefinidamente postergado. Caso exista alguma força política ou oculta que impeça sua aplicação, que se revogue, então, a lei — e não se a mantenha como letra morta.

Por ocasião do julgamento, em abril de 2017, a Corte fixou prazo de 180 dias para cumprimento. Permanecendo a mora, a Polícia Militar de Pernambuco ficou autorizada a apreender os veículos de tração animal, assegurando ao carroceiro indenização de R$ 5.000,00 por veículo, além de renda mensal de 1,5 salários mínimos. Foi ainda instituído programa de capacitação profissional para os trabalhadores atingidos.

No julgamento, foram destacados argumentos de elevado valor ético e jurídico. Entre eles:

“Ao vedar práticas que submetam animais à crueldade (CF, art. 225, § 1º, VII), a Constituição não apenas reconheceu os animais como seres sencientes, mas também reconheceu o interesse que eles têm de não sofrer. A proteção não se dá apenas para resguardar o meio ambiente, a fauna ou as espécies, mas constitui norma autônoma, com objeto e valor próprios. (...) Esse valor moral está em afirmar que o sofrimento animal importa por si só, independentemente do equilíbrio ambiental, da função ecológica ou da preservação da espécie.”

A chamada síndrome da inefetividade das normas foi debatida como um dos maiores males dessa omissão. Muitas vezes, tem-se a impressão de que leis são promulgadas apenas “para inglês ver”.

Como, até hoje, as carroças de tração animal continuam circulando livremente, creio oportuno devolver a palavra ao sempre operante Ministério Público de Pernambuco.
 

* Ex-presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco, do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco e da Associação dos Magistrados de Pernambuco (três mandatos). Relator do Mandado de Injunção nº 449.586-1.

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