Quanto vale o ser humano
Sombras e sol. A palavra para aproximar. No arrebol. Francisco se foi. Mas ficou. Porque se deixou. Memória e luz. História e arquitetura. O mundo caminhou para a integração. Globalização. Mas não foi no rumo querido. Veio a regressão. O globalismo dos fortes.
Com ele, novas formas de colonização cultural. Porque nem todos resistem a modas. E modos. Alienam a tradição. E quem dispensa a tradição perde a alma. Enfraquece a consistência moral. Não se forjam alianças entre países. O que sobra são receitas de marketing.
Sim, aumentou a riqueza. Mas não se ampliou a equidade. Nascem novas pobrezas. Ricos mais ricos. Pobres, famélicos. Refugiados são tantos que ocupam a solidão de três desertos, como diria Nelson Rodrigues. Paralelo à paisagem analógica, surgiu o planeta digital. Provocando o isolamento social. Fragilizando relações interpessoais. Acentuando, na política, as fakenews. E produzindo ódios.
A capacidade de escutar o outro, qualidade humana, quase desapareceu. O humano vem se tornando humanoide. O natural transmudando-se em bens fabricados. A inteligência, antes sensível, agora é artificial. Mas, alto lá ! O verdadeiramente humano continua. Existe na emoção. Resiste no coração. Subsiste no eco interior.
Segundo Francisco, na encíclica Fratelli tutti, o ser humano só se realiza e desenvolve, na plenitude de si. Que se concretiza no dom do olhar o outro. Na construção de encontro com o próximo. Pois a vida, plena e edificante, se apresenta onde há vínculo. Onde se pratica a convergência de vontades. Vida humana é corpo mais espírito. E a escala do legitimamente humano é mensurada no amor. O critério para definir o valor de uma vida é o amor. Quando decidimos se vai haver guerra ou se vamos selar a paz. Quem faz a guerra, desvaloriza a vida. E se anula como ser (des)humano. Quem celebra a paz, valoriza a vida. E cresce. Na escala de valores. E no respeito de todos.
Quanto vale uma vida? Quanto custa um drone? Contar, aqui, significa nada. O que conta, acima de tudo, é a dignidade atribuída ao ser humano. Porque vida não tem preço. Tem valor. Daí a relevância da noção de pertencer. De partilhar. Origem comum. Destinação conjunta. Simetria. No viver. No criar. Iguais em dignidade. Desde a genética familiar. Até a cooperação da ética global.
Francisco defende que, quanto menor a esfera de alianças, menos influente a dimensão da realidade transformadora. Sem relacionar-se com os diferentes, a energia criadora vira horizonte tedioso. E incolor. A sociedade mundial não é coleção de países. É comunhão de interesses confluentes. Negociados. Que se ajustam. Na direção do proveito mútuo. E da equidade.
Para que a sociedade tenha futuro é preciso que se respeite a dignidade da vida. Na amizade social. E na memória. A memória ensina. É pedagógica. Na chama da consciência coletiva. E no exercício do perdão. Perdoar não é esquecer. É não se deixar dominar pelo ódio. Por isso, Francisco lutou tanto contra as guerras.
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