Reflexão: na cavalgada da vida
Na cavalgada da vida, sem meio de condução, valia-se do velho e dinâmico burrinho. Servia para todas as ocasiões. Se faltava água, lá vinha o burro com galões atravessados no lombo, abastecendo residências e, se tinha que ir ao sítio, o burrinho também servia. Era o transporte seguro, que não quebrava e nem precisava abastecer. Como se diz no sertão, era pau para toda obra. Nem pensávamos que ele podia estar cansado, com fome, triste ou se queria ir ficar com a sua companheira, a mula.
Não sei distinguir o burro do jumento, o asno do jegue. Todos são um único nas minhas lembranças. De memória, recordo que, se fosse chamado de burro, era por ser ignorante, menos inteligente. Era triste ser taxado de “burro”. E ele, o burro, nem era burro na acepção inteligente. Num sentido pejorativo, a alcunha de burro seria pra quem não-inteligente.
O jumento é citado na bíblia, serviu para que a mãe de Jesus fugisse para o Egito, para escapar da sanha de Herodes, percorrendo uma distância de mais de mil quilômetros. E coube a um simplório jumentinho levar no seu lombo, Jesus na entrada de Jerusalém e, ele foi aplaudido. Acho que só neste momento ele, o burro/jumento, se sentiu orgulhoso de sua santa carga e, por isso, talvez foi chamado de “besta”, no sentido de endeusamento.
Sei de histórias com burros e do carinho que as famílias nutriam por ele, ao ponto de, em mudança de uma família do sítio Riacho do Mel para outras plagas, sob o cheiro da terra seca, não abandonaram Chá Preto e, não se sabe como, subiram o burrinho Chá Preto na carroceria do caminhão, junto com as crianças, vestidas em pijamas de flanela com carinhas de corujas, mais o mobiliário. Chegaram depois de dois dias de viagem, na terra prometida, Ouricuri. Uma criança que se encontrava perto de onde o caminhão parou, exclamou estupefata: De onde vêm essas corujinhas, meu Deus?
E eu, plagiando meu amigo Meca repito: “eu cegue se eu não morro de saudade desse tempo, desse lugar, dessa terra de gente aguerrida. Tudo lá é belo e sagrado, segundo Mãe Euza”. A natureza de lá tem um cheiro diferente, semelhante ao cheiro da Carolina, de Luiz Gonzaga.
Então, que não se fale que o burro é estupido, imbecil. Ele é nosso, está em nossa história e, por ser inteligente, nos aguenta até hoje, colhendo nossos acharques, nosso comodismo.
*Maria Lúcia de Araújo Nogueira é advogada.
