Socorro! A República está em perigo
Jamais, em tempo algum, a República Federativa do Brasil esteve tão vulnerável aos ataques externos e internos à sua própria sobrevivência.
No plano interno a perplexidade é enorme. A PEC nº 2162, cognominada de PEC da blindagem, foi aprovada em dois turnos pela Câmara. Esta medida amplia as prerrogativas dos parlamentares e exige autorização prévia do Congresso para que os legisladores possam ser submetidos a processos. Um absurdo. Sem falar que as prisões em flagrante por crimes inafiançáveis sejam submetidas à deliberação secreta do próprio Congresso. Fim dos tempos.
O ministro Dias Toffoli determinou o prazo de dez dias para a mesa da Câmara se posicionar. Enquanto isso, a proposta de Anistia geral e irrestrita aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 tem um relator, Paulinho da Força Sindical (Solidariedade-SP) que já se posicionou: “Anistia irrestrita é impossível”. O projeto originário é de autoria de Marcelo Crivella cuja emenda “concede anistia aos participantes das manifestações reivindicatórias de motivação política ocorridos entre o dia 30 de outubro de 2022 e o dia de entrada em vigor desta lei e dá outras providências”. Parece conto de fadas, porém é assim mesmo que o projeto de lei está elaborado.
No plano interno a perplexidade é total face ao confronto descabido às prerrogativas do Poder Judiciário, órgão competente no Estado Democrático de Direito para defesa e interpretação última da ordem jurídica.
A polarização que assistimos não é um fenômeno do nosso país. Ela é consequência de um fenômeno mundial. Sobre o assunto, o cientista político Felipe Nunes e o jornalista Thomas Traunamn já se detiveram em estudos e concluíram que a “polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil”. A síntese dos seus pensamentos está em Biografia do Abismo, livro de leitura obrigatória.
No caso específico dos crimes que culminaram com a invasão das sedes dos três poderes o que deve prevalecer é a supremacia do princípio da legalidade, do devido processo legal e observância indispensável a trajetória daqueles que, em todos os tempos, nunca pautaram suas condutas atreladas às liberdades democráticas.
No que concerne ao Presidente condenado há registros seríssimos ligados ao autoritarismo. Nos anos 1990 em entrevista à revista Veja afirmou: “ se fosse eleito presidente da República daria um golpe imediatamente, ” e concluiu: “Só vai mudar, infelizmente, no dia em que partir para guerra civil aqui dentro, fazendo o trabalho que o regime militar não fez, matando uns trinta mil”. Na avaliação do ditador General Ernesto Geisel, “O capitão era um mau militar”.
Segundo José Casado jornalista da revista Veja, ainda no primeiro mandato de deputado federal Jair Bolsonaro declarou em Santa Maria (RS) ao jornalista José Mauro Batista: “Um curto período de exceção, que incluiria entre outras medidas o fechamento temporário do Congresso e a suspenção das prerrogativas do Legislativo colocaria o país em ordem”.
O Brasil arduamente conseguiu realizar a transição democrática através de um amplo processo interno de convergências, e ampla participação popular para pôr fim à ditadura militar que se iniciou no dia 1º de abril de 1964 e duraria 21 anos marcados por cassações de mandatos e direitos políticos, banimentos, torturas, prisões arbitrárias, desaparecimentos dos que lutavam pelo retorno do regime democrático e exílios.
Para que a abertura acontecesse a campanha pelas eleições Diretas Já uniu a Nação, tendo como consequência a constituição de 1988, a Constituição Cidadã, sob o comando de Ulisses Guimarães.
Outro exemplo de superação do totalitarismo veio da Espanha que durante a guerra civil (1936-1939), instalou o regime fascista e conseguiu a redemocratização com a Constituição 1978 que estabeleceu a Monarquia Parlamentar Democrática através de amplo consenso.
Antes de falecer, Francisco Franco nomeia em 22 de julho de 1969 seu sucessor o Príncipe Juan Carlos de Bourbon. Com a morte de Francisco Franco em 20 de novembro de 1975 foi estabelecida a Monarquia Parlamentar na Espanha com a promulgação da Constituição espanhola de 1978 aprovada em referendo em 6 de dezembro que entrou em vigor a 29 de dezembro do mesmo ano. A promulgação da Constituição Espanhola marcou o fim da ditadura franquista e o advento da Monarquia Constitucional e Democrática na Espanha.
Divergências e antagonismo são comuns na seara política. A intolerância que conduz à polarização calcificada é inadmissível e tem de ser sofreada. As instituições brasileiras não são compostas de inocentes e todos elas devem explicações ao povo, verdadeiro destinatário de seus erros e acertos.
Não à toa, nas últimas manifestações, faixas retratavam a imagem da Câmara dos Deputados: “Os piores deputados da História”
Durante a 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas, que teve início dia 23 de setembro deste ano em Nova York o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi enfático ao dizer que “o multilateralismo, e a soberania nacional são inegociáveis”. Leniência tem limite.
* Procurador de Justiça do Ministério Público de Pernambuco, diretor Consultivo e Fiscal da Associação do Ministério Público de Pernambuco e ex-repórter do Jornal Correio da Manhã (RJ)
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