Trend do Studio Ghibli: o impacto da Inteligência Artificial na arte e nos direitos autorais
Nos últimos dias, imagens geradas pelo ChatGPT no estilo Studio Ghibli viralizaram nas redes sociais. Com apenas alguns comandos, usuários conseguiam criar cenas encantadoras que remetiam diretamente ao universo mágico de Hayao Miyazaki, cofundador do renomado estúdio japonês, criado em 1985. A repercussão levou a OpenAI a restringir a geração de imagens nesse estilo, citando preocupações com possíveis violações de direitos autorais.
Esse movimento reacende um debate jurídico que vem ganhando força em diversos países: a possibilidade de que obras protegidas estejam sendo utilizadas para treinar modelos de inteligência artificial generativa, sem autorização ou reconhecimento dos autores originais. A situação se torna ainda mais delicada quando, além do uso não autorizado no treinamento, a IA passa a aceitar comandos que solicitam explicitamente a reprodução de estilos artísticos únicos - o que pode configurar violação de direitos autorais e, em alguns casos, também de marcas registradas.
Nesse contexto, o que está em jogo não é apenas a reprodução de obras, mas a própria identidade criativa dos artistas - construída ao longo do tempo e frequentemente tratada como ativo de valor no mercado. Vencedor de dois Oscars (“A Viagem de Chihiro” e “O Menino e a Garça”), Hayao Miyazaki classificou como “fim dos tempos” e uma “perda de fé em si mesmo” dos humanos ao ver uma imagem criada por IA durante reunião no Studio Ghibli em 2016. “Eu nunca desejaria incorporar essa tecnologia ao meu trabalho. Sinto fortemente que isso é um insulto à própria vida”, declarou, na época.
Outro ponto a ser discutido nessa nova trend é a proteção de dados. Ao utilizar ferramentas gratuitas, o usuário também passa a ser o produto, pois seus dados costumam ser vendidos para anúncios de fins comerciais associados ao seu comportamento. Além disso, o envio de dados biométricos faciais tende a causar maior vulnerabilidadea ataques de hackeamento e vazamento.
A discussão sobre IA e propriedade intelectual ainda está longe de um consenso jurídico. Ao mesmo tempo, ganha espaço o debate sobre a possibilidade - ou não - de se reconhecer proteção autoral para obras geradas por inteligência artificial, com precedentes interessantes surgindo em outros países.
Além disso, para quem utiliza conteúdos gerados por IA com finalidade comercial, torna-se essencial realizar uma due diligence, avaliando os riscos jurídicos envolvidos, desde a origem do material até a possibilidade de apropriação indevida de elementos protegidos.
Diante desse cenário, o Direito se vê diante de um desafio inédito: lidar com uma tecnologia capaz de criar, imitar e transformar a arte em escala e velocidade jamais vistas. As regras que hoje protegem os criadores ainda não estão preparadas para responder às perguntas complexas que surgem com a inteligência artificial - quem é o autor de uma obra feita por uma máquina? Como proteger estilos artísticos únicos? Mais do que uma questão jurídica, esse debate é também ético. Precisamos refletir sobre até que ponto queremos que as máquinas assumam papéis criativos humanos, e como garantir que a inovação não ocorra às custas da originalidade e do respeito à identidade dos artistas. O futuro da arte - e do próprio conceito de criação - está em jogo.
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