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OPINIÃO

Um dia prodigioso, no Recife

No último mês de junho, em uma tarde de muita chuva na cidade do Recife, casualmente encontrei uma religiosa que, pela vestimenta monástica e a quietude, sugeria pertencer à Ordem das Carmelitas Descalças (OCD, 1562), a congregação fundada por Santa Teresa de Ávila (também chamada de Santa Teresa de Jesus), na província de Ávila (ES). Uma cautelosa pergunta confirmou a origem.  

    A freira Miryan de Jesus Crucificado (nome consagrado no mosteiro), a quem me apresentei, franqueou gentilmente a palavra e um breve diálogo aconteceu, entre nós, embora de longa repercussão, no plano humano e espiritual. Tratava-se de um fato raro e pioneiro, no meu caso.

   Vinculada à OCD existente no município de Camaragibe–PE, no Carmelo da Imaculada Conceição (1924), na região metropolitana do Recife, a Irmã Miryan, não sei se pela comentada reclusão ou, talvez, por nunca ter sido abordada assim, ficou surpresa quando lhe falei que lera alguns livros de Santa Teresa e que escrevera uma crônica sobre ela (Santa Teresa de Ávila no Brasil), e que essa crônica constava em um novo livro (Sonho Impossível - O Recife e Cervantes); e, também, que o escritor e dramaturgo Ariano Suassuna, um dos grandes nomes da nossa cultura, tinha uma declarada admiração pela idealizadora da congregação.

    O mais relevante, do inusitado encontro, foi o que falamos sobre a luta da monja Teresa de Ávila, para migrar do mosteiro da Encarnação das Carmelitas de Ávila para a congregação que desejava fundar, como conseguiu, a OCD, consoante as ideias que desenvolvia em relação à fé, a oração, a submissão ao Divino e a igualdade e ao desapego material. No transcorrer do tempo, os estudos realizados em cima do legado literário e da história de Santa Teresa, reconheceram a sua importância para a sociedade, de modo geral, não só como religiosa e do ponto de vista místico, o da progressão das ações, ademais, como mulher e escritora. 

    No Livro da Vida, que é considerado a autobiografia de Santa Teresa, no capítulo 4 a autora afirma: [...] “ter eu livros era como solidão, que não haveria perigo que me tirasse de tanto bem”; e, no capítulo 5, que “sempre fui amiga das letras”. Todavia, entre tantas mensagens, é inquestionável, dada a contemporaneidade, o que escreve, já com a alma entregue a Deus, no capítulo 21, o “último grau da oração”, quanto ao aspecto terreno: [...] “Não é como aqui, onde se passa a vida toda cheia de enganos e dubiedades. Quando você acha que ganhou a vontade de uma pessoa, pelo que ela mostra a você, percebe que é tudo mentira”. [...] “Bem aventurada a alma que o Senhor leva a perceber verdades!”. 

    Em que pese a pouca duração, a conversa foi marcante. Antes de irmos embora, fiz uma consulta à Irmã Miryan: eu posso lhe entregar o novo livro?  Ela respondeu que sim. Feito isso, agradeci toda a atenção e a Irmã retribuiu com recomendações sagradas à alma e ao coração, na linha teresiana. Seguimos, por caminhos distintos… Que dia prodigioso!   

*Administrador de empresas (UFPE) e membro da Asociación de Cervantistas (f.dacal@hotmail.com)

 

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