Qui, 25 de Dezembro

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opinião

Um quarto de século se passou

Ouço as músicas de Ennio Morricone enquanto escrevo estas linhas. Portanto, se em algum momento o leitor perceber no ritmo das palavras algo melancólico ou triunfal — como as peculiares oscilações ternárias de suas composições (a-b-a), que jamais se submetiam ao script tradicional — culpem-no.

Como em um bom far west, assim percebo estes vinte e cinco primeiros anos do século XXI: vividos à espreita, como em Once Upon a Time in the West, intensos, bem vividos, para então ingressar no segundo quarto de século aos sessenta, ao lado de Lucila. Something else… Quantos anos ainda nos restarão? Pergunto a todos — e deveríamos refletir sobre isso, sempre.

Outra referência, menos poética e brutalmente real para o Brasil, está no livro “Brasil no Espelho”, de Felipe Nunes — leitura recomendável para compreender este país a partir das pessoas, e não das ideologias herdadas do século passado. Mas meu intuito não é apenas revisitar a quadra que passou; é, sobretudo, pensar a que se avizinha. Afinal, ainda conviverão, até a metade deste século, pessoas da chamada “Geração Bossa Nova” (1945-1964), da “Geração Ordem e Progresso” (1965-1984), da “Geração da Redemocratização” (1985-1999) e da “Geração.com” (2000-2009) — os nativos digitais — ora em harmonia, ora em franca dessintonia com tudo.

O ano de 2013 foi um sinal inequívoco para esse Brasil profundo. E, caros leitores, basta somar as idades: aquele movimento não foi gestado pela geração digital, mas pela Geração da Redemocratização, deixando atônitas as gerações Bossa Nova e Ordem e Progresso.

Tenho filhos saudáveis — isso me basta. A partir daí, ainda sob a trilha de Morricone, penso que devo agir como em My Name Is Nobody. Meu tempo passa; o tempo será deles. Filhos, genros e noras. O século XXI pertencerá à Geração da Redemocratização e à Geração.com.
Renan, Ítalo, Giovanna, Lorenna Pellegrino, Rodolfo Moreira e Marcela Moury.

À minha geração, a Ordem e Progresso, talvez caiba apenas sugerir juízo — muito juízo. Saibam que vocês são os menos culpados por terem nascido neste Brasil complexo, ainda aguilhoado pelos oriundi da Geração Bossa Nova.

Calma, leitores, ainda há esperança. Sentar-me-ei confortavelmente no meu tempo. Olharei o futuro neles, como quem mira um infinito limpo e promissor. Poderei advertir — por ter atravessado mais intempéries — sobre o risco de uma tempestade aqui ou acolá. Mas as velas e os mastros estão em suas mãos. E, em nome deles, rogo: mais leveza e delicadeza; menos arrogância; mais trabalho e mais compaixão. Se guerras forem inevitáveis, que sejam lutadas com destemor — e com a certeza de que toda guerra precisa ter fim, pois invariavelmente interessa mais a outros do que a nós mesmos.

Rogo por mais sorrisos abertos, mais beijos e abraços. Rogo pelas manhãs, que passam a ser mais importantes que as noites. Rogo por mais música — e, se possível, música de verdade, não esse ruído travestido de arte, responsável por um empobrecimento estético induzido que transforma o feio em belo e nos constrange a não dizer não.

Rogo, sobretudo, por mais liberdade nas palavras. Para a Geração Ordem e Progresso, isso é mais importante que tudo: a palavra deve ser livre e facultada a todos, principalmente àqueles de quem discordamos profundamente. Só a luz dissipa a escuridão — não as penumbras normativas que pretendem definir o bem e o mal. Que mais famílias se formem, se amem, cresçam, criem e construam.

E, por fim, oro. Oro muito. Em mantras, em credos, em hebraico, em todas as línguas e sonoridades possíveis — mesmo sem compreendê-las por completo, mas sentindo a beleza dos fonemas que tocam os sentidos. Rogo por um futuro em que Ethos, Pathos e Logos sejam um só, comunicável e definitivo para nós, seres humanos deste quase- continente do Sul, que olha para o Cruzeiro no céu, para as Três Marias, banhadas e veladas por Órion, Áries, Sagitário, Leão, Aquário, Gêmeos e Libra — a cantar a sinfonia silenciosa do universo, regidos pela mão invisível do desconhecido e do incerto, por alguns chamado Deus, por outros Alá, Javé, Buda, Brahman, Vishnu, Shiva, Ganesha, Mahadevi, Ahura Mazda, Grande Espírito, Gitche Manitou, Ankou ou Souolibrogenos.
E, com isso, desejo a todos um Feliz 2026.


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