Uma gente forte às pampas: Manifesto de Admiração ao Nativismo Gaúcho
Nos últimos dias, fui instigado por leitores para encerrar o ano com a escrita de um texto sobre o tema que tenha me marcado mais profundamente, neste ano de 2024. Ao por a cabeça para pensar no assunto, confesso que não tive dificuldades para exercer minha escolha.
De pronto, veio-me veloz até a memória, tudo que coubesse entre a resiliência e efetividade, no que diz respeito à superação do povo gaúcho diante da dimensão daquela tragédia climática ocorrida.
Por mais que tenha em conta o lado implacável do problema da natureza em si (no que diz respeito aos efeitos das agressões ambientais), o fato maior foi que o lado incisivo da natureza do problema (como entendê-lo e enfrentá-lo?)falou bem mais alto. Justo nesse sentido, foi que a união gaúcha fez prevalecer toda sua capacidade de resistir e encarar de frente.
Ou seja, foram as tais condições de resiliência e efetividade, que impregnadas ao sentimento nativo, transformaram dores em recuperações e retomadas. Tudo isso praticado em tão curto espaço de tempo, num engajamento digno e admirável.
Que me perdoem meus laços familiares com SC, MG e o próprio Nordeste, mas tenho um sentimento gaúcho espontâneo que está guardado num recanto especial do coração. Atrevo-me a dizer com sou um "embaixador dos pampas" sem nomeação ou delegação oficial, que ao fazer uso do "gibão de couro", posso fazê-lo daí uma "bombacha".
Vou mais além, justo porque reconheço nessa minha transformação um valor comum aos povos de PE e do RS, dado pelo respeito profundo às identidades culturais. Simples assim, pois a distância geográfica não é maior que a essência identitária. Das lutas libertárias ao orgulho de cantarmos nossos hinos. De reverenciarmos nossas bandeiras.
Até de quem se atreveu, por orgulho nativo, a romper com o poder, a corte ou quem impedisse nosso grito comum de justiça e igualdade. Galdérios, negros, indígenas, caboclos, mamelucos... tudo junto e misturado.
Lembro-me das ocasiões, quando no exercício do cargo de Secretário Nacional de Infraestrutura do Ministério da Cultura, em que me via quase a cantar o hino gaúcho, nas entregas de obras por cidades do interior do RS.
Situações que me fizeram lembrar (e citar nos discursos) o Mestre Ariano que, certa vez, por ocasião de uma conversa justo sobre minha relação com o RS, disse-me : "só não somos semelhantes aos gaúchos, por causa do cavalo, da bombacha e do mate".
Taí mais uma lição de identidade cultural, que me pautou nessa linha de aproximação com o RS. Seja embalado pelas prosas de Quintana ou dos Veríssimos (pai e filho), sinto-me tão à vontade à beira do Guaiba, tal e como estivesse guiado pelos versos de Bandeira ou Cabral, às margens do Capibaribe. A mais pura sintonia cultural, que soa como uma sinfonia aos meus ouvidos.
Como último registro, deste meu folhetim declaratório ao RS, não posso escapar daquela citação final, capaz de traduzir toda grandeza de um sentimento. Aqui me entrego à cidade de Gramado, linda e acolhedora pela sua própria natureza - serrana e humana. Por conta do seu tradicional e efervescente Festival de Cinema, minha vida teve outro significado. Foi paixão à primeira vista.
Neste 2024, fiz 30 anos de envolvimento direto com o evento, que só não foi presencial por dois anos da fatídica pandemia. Sem Gramado e o seu Festival de Cinema, certamente, minha vida profissional teria tomado outro rumo. Mas, como apostei na ideia, não meço palavras para agradecer a todas gerações que vi passar pelo Festival inspirador. A dívida sentimental é eterna e todos meus gestos de reconhecimento serão poucos, diante do que aprendi e do que pude fazer.
Assim, tal e qual reconheço a força do pampa enquanto bioma importante para o equilíbrio ambiental, também declaro, por meio deste manifesto particular, toda minha admiração pelo povo gaúcho. Afinal, demonstrou coragem às pampas para se reerguer com força nativa, no pós-tragédia.
Para mim, portanto, o fato que me impactou e serviu de exemplo humanitário, no decorrer deste ano. Algo que, na minha percepção analítica, traduziu algum traço cultural, capaz de juntar Antonio de Sousa Neto e Frei Caneca, no simbolismo de um abraço fraterno entre o Piratini e a Confederação do Equador. O gibão e a bombacha. O pampa e a caatinga. O RS e PE. O Festival de Gramado e o Cine PE.
Que esse meu sincero entusiasmo seja um firme ponto de vista, capaz de me colocar num recanto comum onde caiba este escriba, que agora se assume como um verdadeiro "pernambucho". Com muito orgulho.
(**) Depois de escrito este Manifesto, a cidade de Gramado, no momento da magia que transmite com seu Natal Luz, foi golpeada por nova tragédia. Na minha condição espontânea de "gramadense de coração", cabe-me ratificar a solidariedade como gesto natural e imediato.
Economista e colunista desta Folha de PE.
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