Os bobos e bobocas da corte
Segundo o historiador da USP Nachman Falbel, os “bobos da corte”, personagens frequentes nas cortes da Idade Média, “não eram nada bobos, vez que possuíam várias habilidades: versejavam, faziam malabarismos e mímica. Eram principalmente gente com talento, sabedoria e sensibilidade na arte de divertir os outros”, principalmente para agradar o seu amo.
O gênio do teatro inglês, William Shakespeare (1564-1616), destacou a importância dos bobos, enaltecendo sua estratégia e relevante presença junto aos poderosos, ilustrando a figura dos bobos em suas peças, como o “Rei Lear” e a “Noite dos Reis”, onde eles são os mais espertos dos figurantes, autorizados inclusive a falar pela majestade “aquilo que ninguém mais ousa dizer”, como afirma John Milton, professor de literatura inglesa da USP.
Saindo da Idade Média e nos transportando para o Brasil do século XXI, é impressionante a semelhança burlesca com os “bobos” de hoje, reeditando com funk, samba e forró, e peripécias de todo o tipo, o clima de “barco perdido bem carregado”, que tem roubado a cena no cotidiano da corte nacional.
Outrossim, vale observar, que não podemos confundir os bobos de inspiração medieval, convocados para distrair o rei e arrancar frenéticos aplausos dos mais graduados membros do séquito de fanáticos seguidores, com os “bobos bobocas”, idiotas como todos nós, vítimas do clima “me engana que eu gosto”, mais para “escolinha do professor Raimundo”, do genial e saudoso Chico Anysio, do que dos clássicos poemas de Shakespeare.
Na inusitada e macabra opera bufa que vem sendo apresentada, algumas situações merecem uma acurada atenção, ora pelo seu ineditismo político, ora pela enigmática charada a desafiar nossa imaginação, que por mais fértil que seja, não consegue alcançar os objetivos dos marqueteiros, quando colocam lado a lado traídos e traidores, bandidos e mocinhos sob a mesma bandeira, parecendo que a estratégia é mesmo a de confundir ao invés de esclarecer, “fazendo o que digo, mas não fazendo o que faço”, - e agora, onde vai dar tudo isso? A oportunidade tem excitado novos atores, que ingenuamente se acham em condições de subir no palco, não dando ouvido aos “bobos” da velha guarda, e sem ferramentas de última geração, como “fake news” e outros perigosos artefatos bélicos de persuasão e convencimento.
Sempre vale a pena olhar pra trás na tentativa de adivinhar o pra frente. Dizem que a história se repete, sendo assim, encontramos não todas, mas algumas semelhanças com filmes que já vimos, no que tange à truculência, à anticultura, o desprezo pelo cidadão comum, o discurso da democracia sem saber do que se trata, o eu ao invés do nós. Senão vejamos: alguns gostam de cavalos de quatro patas, inclusive do cheiro “melhor do que o cheiro do povo”, disseram no passado. Já outros preferem a montaria de muitos cavalos, ou melhor, de dezenas de cavalos de força, vrum, vrum, vrum!, subordinando e impondo riscos de queda aos seus paus mandados. E mais: “A melhor música é o clarim dos quartéis”; “Se perguntam o que fazer com a insignificância do salário mínimo, a sugestão é dar um tiro na cuca.” Curto e grosso no pensar e no agir, e por aí vai.
No rol das coincidências, encontramos o ambiente de caos econômico dentro do mesmo contexto que foi um dia responsável pelo chamado “milagre econômico brasileiro”, e se for para contrariar a majestade, cuidado, “ele manda prender e arrebentar”. Sobre o voto, afirmou, “pra que esse rigor e questionamento? Para um povo que não sabe nem escovar os dentes e não está preparado para votar”, “aviso que não sou maluco, não posso obrigar o povo a gostar de mim. Sou o que sou, não vou mudar para que o povo goste”.
Observamos que eles têm toda a razão, não vão mudar, embora o povo possa mudá-los sem precisar esquecê-los, como foi um dia o apelo do general governante, vez que são inesquecíveis na galeria dos vilões da história, completamente desprovidos de vergonha.
*Consultor de empresa
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