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Opinião

Países não têm amigos

Na quarta-feira passada (14.12.22) a ministra Maria Thereza de Assis Moura, presidente do Superior Tribunal de Justiça, derrubou uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e autorizou que o Exército Brasileiro prosseguisse nas negociações para aquisição da viatura blindada sobre rodas CENTAURO-2.

O carro italiano vem para substituir o veículo Cascavel, fabricado pela ENGESA e já obsoleto, após quase 40 anos servindo às Forças Armadas brasileiras e até algumas estrangeiras.

Aos estudiosos do tema defesa nacional causou grande alívio a decisão da ministra prolatada com base em argumentos que deveriam ser de conhecimento de políticos, de grande parte dos formadores de opinião e até da sociedade em geral.

Disse a ministra:

“[...] a continuidade do projeto de renovação do parque bélico deve ser assegurada, [...] porque a liminar concedida compromete a estrutura e o plano de defesa externa alinhavados pelo Ministério da Defesa e pelo Exército Brasileiro e a própria capacidade de defesa nacional”.

Comprometer essa capacidade de defesa nacional é o cerne da serena decisão.

Um país com 8,5 milhões de Km2 em dimensão territorial, 7 mil quilômetros de fronteiras marítimas, 17 mil quilômetros de fronteiras terrestres, com possibilidade de projeção regional e mundial na nova conformação da geopolítica global, não pode ser refém da boa vontade dos outros países, quando for obrigado a defender os interesses de seu povo.

A concretização de dois novos polos de poder, representados pelos Estados Unidos e pela China, não invalida a busca de ocupação de espaço de poder por outras nações em um contínuo processo de reafirmação de seus interesses regionais e mundiais.

Como afirmou John Foster Dulles, ex-secretário de Estado dos Estados Unidos da América no governo Eisenhower, “países não têm amigos, países têm interesses em comum”.

O Brasil, a partir da criação do Ministério da Defesa, em 1999, passou a alinhar-se ao comportamento das maiores nações do globo e implantou a política de defesa nacional, à qual se seguiu a estratégia nacional de defesa e por fim o livro branco de defesa nacional.

Nesses documentos se pode observar o planejamento do Estado brasileiro para fazer frente aos desafios à sua soberania, apontando caminhos, definindo fases e iluminando a necessidade de recursos.

As áreas nuclear, cibernética e aeroespacial estão nas vitrines principais do portfolio defesa nacional.  Dentro da fábrica, há muitos outros produtos que estão em elaboração para darem substância à dissuasão que queremos promover em prol da nossa segurança.

Submarino de propulsão nuclear, navios de superfície atualizados, sistema de lançadores de foguetes, blindados de ultima geração, caças supersônicos e aviões multipropósito de transporte militar são outros projetos em desenvolvimento.

Nenhum desses programas se configurou ao simples estalar de dedos de uma autoridade. Não é assunto para amadores e seus responsáveis abraçam a causa por anos, com resiliência e objetividade.

Eles são conduzidos em estudos pelas Forças, em conjunto com o Ministério da Defesa. Estabelecem comparações, fazem ajustes e reajustes, negociam à exaustão até que se tenha certeza de que o custo-benefício é também compatível com a situação política, econômica, psicossocial, cientifica & tecnológica do país.

Argumentações ingênuas, aludindo que o país vive uma crise social que inviabiliza investimentos na área de defesa, soam como indolência por pensar de seus defensores.

A nova configuração mundial, estabelecida no alvorecer do século 21, não nos permitirá sermos pretenciosos ou ingênuos sob a alegação de que não temos inimigos, há muito não participamos de conflitos e, portanto, é jogar dinheiro fora com essas questões.

Os inimigos não encontrados pelos defensores da tese de desidratação dos orçamentos militares, a bem da verdade, já estão permeando o nosso dia a dia. Eles não precisam ser visíveis. Bastam compor a narrativa dos rivais, tornando-se então objetivo a ser alcançado.

A questão do meio ambiente que se reflete no interesse mundial pela Amazônia, a produção de grãos no cerrado que saciará um mundo famélico, a energia renovável e barata dos nossos rios e calor que nos banham são alguns dos temas que geram disputas não contabilizadas pelos “pacifistas”.

Defender essas propostas é parte das incumbências dos militares para com o Estado. Como disse Samuel Huntington, os oficiais têm tripla missão: a representativa, a consultiva e a executiva. 

Insistir na necessidade por novos equipamentos se insere nas duas primeiras, sob pena de que quando o Estado requisitar a terceira, não sejamos capazes de cumpri-la.

Paz e bem!


*General de Divisão da Reserva



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