Seg, 08 de Dezembro

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FRANÇA

Partido de Le Pen convoca ato contra 'ditadura dos juízes' após condenação a inelegibilidade

Líder da extrema direita francesa foi condenada pelo uso indevido de fundos europeus em benefício do próprio partido

Marine Le PenMarine Le Pen - Foto: Alain Jocard/AFP

O Reagrupamento Nacional, partido de extrema direita da França, convocou uma "mobilização pacífica" contra o que classificou como "ditadura de juízes" após a condenação de sua líder, Marine Le Pen, por desvios de verbas públicas europeias para beneficiar a própria sigla. Le Pen foi sentenciada a quatro anos de prisão, que deverão ser cumpridos com uso de tornozeleira eletrônica, ao pagamento de uma multa de 100 mil euros (cerca de R$ 624 mil no câmbio atual), e ficará inelegível pelo prazo de cinco anos — o que, na prática, frustra seus planos de concorrer à Presidência em 2027.

"Como muitos franceses, compartilhamos a convicção de que uma parte do sistema de justiça está buscando triunfar onde nossos adversários falharam. Ao proibir Marine Le Pen de concorrer na eleição presidencial de 2027, eles estão tentando impedir sua ascensão ao Palácio do Eliseu por todos os meios", diz a nota divulgada pelo partido, intitulada "Vamos salvar a democracia, vamos apoiar Marine". "Não é apenas Marine Le Pen que está sendo injustamente condenada: é a democracia francesa que está sendo executada. Não é mais o governo dos juízes, mas a ditadura dos juízes, que deseja impedir o povo francês de se expressar".

O caso envolvendo Le Pen, e outras oito figuras do Reagrupamento Nacional, trata de um esquema de uso indevido de fundos da União Europeia, desviados para benefício do partido. A promotoria acusa o RN — e seu antecessor, a Frente Nacional — a usar a alocação orçamentária de 21 mil euros (R$ 131 mil) para subsídio mensal de assessores parlamentares de eurodeputados, para pagar funcionários que na verdade trabalhavam para o partido na França, que se concentravam em temas de política interna, entre 2004 e 2016. Le Pen nega irregularidades e diz que a promotoria está buscando sua "morte política".

O advogado de Le Pen, Rodolphe Bosselut, anunciou que a líder de extrema direita vai apelar da condenação, classificando o veredicto como "um golpe para a democracia". Separadamente, o porta-voz do RN, Laurent Jacobelli, disse que Le Pen continua "em clima de luta". A apelação da líder francesa deve interromper a parte da sentença sobre a multa e o cumprimento da prisão, mas não a inelegibilidade, uma vez que a "execução provisória" determinada pela justiça faz com que os efeitos passem a valer imediatamente. Espera-se que ela faça um pronunciamento às 20h (15h em Brasília).

Doze assistentes também foram condenados por ocultação de crime, com o tribunal estimando que o esquema desviou 2,9 milhões de euros (R$ 18,1 milhões). Todos os funcionários do RN, incluindo Le Pen, foram proibidos de concorrer a cargos, com a juíza especificando que a sanção deve entrar em vigor com efeito imediato, mesmo que um recurso seja interposto.

— O tribunal levou em consideração, além do risco de reincidência, a grande perturbação da ordem pública se uma pessoa já condenada... fosse candidata na eleição presidencial — disse Benedicte.

Entre os condenados está o atual prefeito de Perpignan e ex-eurodeputado, Louis Aliot, que cumprirá 18 meses de prisão, incluindo seis meses sob monitoramento eletrônico, e três anos de inelegibilidade sem execução provisória — "para preservar a liberdade dos eleitores que escolheram seu prefeito", segundo a justificativa da justiça.

O veredicto é um grande golpe para as ambições presidenciais de Le Pen, uma política nacionalista e anti-imigração que era amplamente vista como uma das favoritas na corrida de 2027, apesar de três tentativas fracassadas no passado. Sentada na primeira fileira do tribunal, ela balançou a cabeça ao ouvir a juíza considerá-la culpada e falou rapidamente com seu advogado, deixando a corte antes do fim da leitura da sentença. Ela saiu acompanhada pela eurodeputada Catherine Griset, e não falou com a imprensa.

Integrantes da extrema direita europeia se manifestaram em solidariedade à líder francesa. O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, escreveu "Eu sou Marine" nas redes sociais, antes mesmo da leitura final da sentença. O vice-premier italiano, Matteo Salvini, afirmou que a condenação era movida pelo "medo do julgamento dos eleitores" e comparou a situação a da Romênia, onde uma decisão da Corte Constitucional impediu um candidato de extrema direita a concorrer.

O líder da extrema direita holandês Geert Wilders criticou o veredicto "duro" e disse apoiá-la e acreditar 100% em sua inocência, dizendo que espera que ela vença as eleições e se torne presidente da França. Embora tenham criticado o julgamento, nenhum deles se referiu em específico as acusações contra Le Pen.

Em um pronunciamento do porta-voz Dmitri Peskov, o Kremlin afirmou que "mais e mais capitais europeias estão seguindo o caminho da violação das normas democráticas". Jordan Bardella, líder do Reagrupamento Nacional e fora da investigação sobre os desvios, reagiu à condenação afirmando que não houve apenas uma "condenação injusta" contra Marine Le Pen, mas que "a democracia francesa foi executada".

Dada sua popularidade atual, até mesmo alguns oponentes expressaram desconforto com a perspectiva de Le Pen não poder disputar a eleição.

— Há um número muito significativo de nossos concidadãos franceses que se identificam com as palavras de Marine Le Pen e sua luta, e pessoalmente eu ficaria muito chateado, para dizer o mínimo, se ela não pudesse concorrer para representá-los — disse o ex-comissário da UE da França, Thierry Breton, à televisão francesa no fim de semana.

'Plano B'
Com o RN emergindo como o maior partido no Parlamento após as eleições legislativas de 2024, Le Pen acreditava que tinha o ímpeto para finalmente chegar ao Palácio do Eliseu em 2027, devido à preocupação pública com a imigração e o custo de vida. As pesquisas preveem atualmente que ela facilmente lideraria o primeiro turno da votação e iria para o segundo turno.

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Em um documentário transmitido pela BFMTV no final do domingo, Le Pen pela primeira vez deu explicitamente sua bênção para Bardella — apelidado de "ciborgue" e um fenômeno eleitoral em disputas recentes — tornar-se presidente.

— É claro que ele tem capacidade para se tornar presidente da república — disse ela.

Mas há dúvidas até mesmo dentro do partido sobre o chamado "Plano B" e se ele tem experiência para uma campanha presidencial. (Com AFP, Bloomberg e NYT)

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