Por que apenas um arranha-céu desmoronou após terremoto em Bangcoc? Entenda
Trabalhadores afirmam que materiais de baixa qualidade foram usados na construção por uma incorporadora chinesa, que buscava reduzir custos
Apenas um edifício desabou em Bangcoc durante o terremoto que sacudiu Mianmar, a centenas de quilômetros de distância, na última sexta-feira. Os esforços de resgate continuam, com pelo menos 15 mortos e dezenas de desaparecidos. Determinar a causa pode levar meses. No entanto, entrevistas com trabalhadores que estiveram no local, juntamente com os primeiros achados oficiais, destacaram possíveis problemas no projeto e na qualidade da construção deste arranha-céu.
No centro da investigação está a China Railway 10th Engineering Group, uma empresa estatal chinesa com cerca de uma dúzia de outros projetos na Tailândia e cujos contratados tentaram remover documentos do local após o desastre. Por trás dessa empresa chinesa está sua controladora, a China Railway Group — um gigante da infraestrutura com uma dívida crescente, um apetite por novos projetos e subsidiárias enfrentando acusações de segurança deficiente em vários países.
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Trabalhadores em Bangcoc disseram ao The New York Times que a China Railway 10th, que fazia parte de um consórcio responsável pela construção do edifício, pagou mal os contratados, que recorreram a materiais de qualidade inferior e usaram colunas mais estreitas do que o padrão.
Autoridades tailandesas que testaram o metal retorcido dos escombros descobriram vergalhões abaixo do padrão — fabricados por uma empresa tailandesa de propriedade chinesa, que havia sido fechada pelas autoridades em dezembro. Um órgão de vigilância anticorrupção também afirmou ter identificado irregularidades na construção da torre de 30 andares antes de 28 de março, quando trabalhadores em fuga viram o arranha-céu implodir.
— As colunas do terceiro andar — onde eu estava e olhei para trás — as vigas não explodiram — disse o eletricista Netiphong Phatthong, de 38 anos, que escapou por pouco, enquanto aguardava no local por notícias de amigos desaparecidos na terça-feira. — Elas desmoronaram porque os metais dentro delas foram esmagados.
As autoridades tailandesas, descrevendo o colapso como um golpe para a imagem do país, intensificaram a investigação sobre o consórcio que recebeu o contrato de construção de US$ 62 milhões para a torre, que deveria abrigar auditores do governo.
Em uma reunião do gabinete na terça-feira, a primeira-ministra Paetongtarn Shinawatra ordenou que as autoridades também investigassem todos os projetos na Tailândia envolvendo a China Railway 10th. Ela não mencionou se a empresa-mãe seria investigada.
— Precisamos realmente encontrar uma resposta — disse Paetongtarn a repórteres: — Precisamos dizer ao povo e ao mundo o que aconteceu na Tailândia.
Sob pressão
O consórcio para a construção da torre de 30 andares foi registrado na Tailândia em 2018. Ele incluía uma incorporadora tailandesa, a Italian-Thai Development, mas, segundo os trabalhadores, as operações diárias eram conduzidas pela China Railway 10th.
Um vídeo promocional recentemente divulgado pela empresa chinesa mostrava imagens aéreas do prédio e elogiava a qualidade da construção. A China Railway 10th também é responsável por um terminal aeroportuário no sul da Tailândia, que deveria ter sido concluído em janeiro, mas estava com menos de 40% da obra finalizada em março, segundo o Ministério dos Transportes.
O escritório da China Railway 10th em Bangcoc não respondeu a e-mails pedindo comentários. A Embaixada da China, em comunicado no Facebook, instou as empresas chinesas a cooperarem com a investigação do governo tailandês.
A China Railway Group, a empresa-mãe, começou construindo grande parte das quase 48 mil quilômetros de ferrovias de alta velocidade da China. Mas, nos últimos anos, à medida que a demanda por novos projetos no país diminuiu, a empresa e suas subsidiárias expandiram seu escopo em uma corrida para obter contratos.
Seu cronograma muitas vezes coincidiu com as prioridades do governo chinês. Em 2019, quando Pequim buscava laços mais estreitos no Pacífico, a China Railway Group comprou uma mina de ouro inativa nas Ilhas Salomão. Trabalhadores de lá disseram ao Times que preocupações com segurança eram frequentemente ignoradas.
Nesse meio-tempo, a dívida da empresa disparou. Seu relatório anual de 2024 mostra passivos totais de US$ 211 bilhões, quase o dobro dos US$ 112 bilhões que a empresa carregava há cinco anos.
Victor Shih, especialista em política e finanças chinesas da Universidade da Califórnia, em San Diego, disse que quando uma empresa tem um fardo de dívida tão pesado, "a pressão para gerar fluxo de caixa para pagar a dívida pode ser bastante intensa".
Outra subsidiária da China Railway foi responsabilizada — junto com supostos funcionários corruptos — pelo colapso da cobertura de uma estação de trem na Sérvia em novembro passado, que matou 15 pessoas.
Materiais fracos
Engenheiros estruturais em Bangcoc tentaram entender por que o edifício desabou de uma só vez. Pennung Warnitchai, diretor do Centro de Pesquisa de Terremotos da Tailândia, que ajudou a elaborar os padrões de resistência sísmica da cidade, disse que o prédio deveria ter permanecido de pé. O movimento do solo detectado em Bangcoc após o terremoto, segundo ele, “foi de um terço a metade do nível considerado no projeto de edifícios típicos”.
A Tailândia geralmente segue um modelo americano de proteção contra terremotos, no qual arranha-céus começam com um núcleo de concreto reforçado. Esse núcleo é tipicamente um eixo retangular no centro do edifício, com andares e colunas verticais de suporte irradiando para fora.
No caso do edifício que caiu, os projetistas posicionaram o núcleo fora do centro, disse Pennung, acrescentando que viu os planos. Outros prédios com um design semelhante não desabaram. Mas, como a distância do terremoto gerou períodos mais longos entre as ondas de movimento e com grande parte de Bangcoc construída sobre solo macio, ele disse que o edifício pode ter oscilado e torcido ao mesmo tempo, agravando o perigo.
Pennung e outros engenheiros enfatizaram que ainda é cedo para determinar a causa do colapso. A qualidade do aço, o design, os padrões de trabalho e o solo podem ter desempenhado um papel. Mas, segundo ele, as evidências de trabalhadores e autoridades até agora, além das imagens do terremoto, sugerem que o núcleo e as colunas de suporte cederam nos andares inferiores.
— Parece que colapsou de baixo para cima, não de cima para baixo — afirmou.
Outros especialistas concordaram que o edifício não tombou, mas sim desabou verticalmente, o que condiz com os relatos de trabalhadores que escaparam no último momento.
Seis funcionários que trabalhavam do terceiro ao décimo andar disseram que o projeto frequentemente parecia inseguro. Alguns problemas relatados eram relativamente menores: muitos operários usavam tênis em vez de botas de aço; exigências de cinto de segurança nos andares superiores eram ignoradas.
Três trabalhadores com experiência em vários andares inferiores disseram que as colunas do edifício eram mais finas do que as que haviam visto em outros canteiros de arranha-céus.
Autoridades tailandesas descobriram que vergalhões recolhidos no local falharam nos testes do Instituto de Ferro e Aço da Tailândia. O aço defeituoso foi fabricado pela Xin Ke Yuan Steel Co., uma empresa chinesa com fábrica na província tailandesa de Rayong, fechada em dezembro por riscos de segurança.
Agora, o colapso do edifício chinês reacendeu críticas à crescente presença de empresas da China na Tailândia.
— O desabamento dessa construção feita por chineses provavelmente reforçará essa visão crítica — afirmou Thitinan Pongsudhirak, professor da Universidade de Chulalongkorn.

