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Opinião

Recomendações de Antonil

Nas vésperas da safra canavieira de 2022/ 2023, que inicia-se no Nordeste em setembro próximo, aceleram-se na região as providências requeridas no campo e nas fábricas para o início da moagem.

Decorridos mais de trezentos anos do tratado do jesuíta João Andreoni, conhecido por André João Antonil, datado de 1711, sob o título “Cultura e Opulência do Brasil”, contendo recomendações elementares sobre o exercício da atividade agroindustrial canavieira pelo senhor de engenho, obra preparada durante temporada de Antonil no Engenho Sergipe do Conde na Bahia, as observações de Antonil, com ressalvas de algumas práticas de triste memória pelos empreendedores coloniais, continuam atuais, guardando o mesmo sentido tecnológico e administrativo para a boa gestão dos empreendimentos canavieiros. Senão vejamos:

Do século XVI ao XXI, em termos tecnológicos, a fábrica de açúcar continua dividindo-se em três estágios, o primeiro representado pelo “esmagamento da cana”, o segundo pelo “cozimento do caldo extraído”, e o terceiro pela “cristalização do mel obtido” depois do cozimento.

Da mesma forma, na fabricação de aguardente e/ou álcool, o primeiro estágio, o mesmo “esmagamento da cana”, o segundo, “a fermentação do caldo”, e o terceiro, “a destilação do mosto fermentado”.

Mas as coincidências vão mais além, vez que estendem-se à esfera administrativa, do como tratar os agentes envolvidos no processo para o bom êxito do empreendimento. Em primeiro lugar, os trabalhadores, no passado representados pelos índios (gentios) e escravos negros, hoje pelos trabalhadores livres no campo e na indústria, na moenda, nos tachos, os cozedores, na cristalização, os purgadores e, finalmente, na embalagem do produto final, os caixeiros (hoje os ensacadores nos armazéns). Ou seja, desde sempre os trabalhadores no trato cultural, envolvendo corte e plantio, na fabricação (engenho ou usina), na embalagem e armazenagem (engenho ou usina).

Antonil continua na sua “didática cartilha de como bem conduzir o complexo e trabalhoso sistema de produção a bom termo, orientando:

- “Como se há de haver o senhor de engenho na compra e conservação das terras e nos arrendamento delas.” 

- “Como se há de haver o senhor do engenho com os lavradores e outros vizinhos, e estes com o senhor.” 

- “Como se há de haver o senhor do engenho, na eleição das pessoas e oficiais que admitir ao seu serviço, e principalmente na eleição do capelão.” Obs.: Neste item uma exceção, que não conseguiu chegar na sua plenitude nos dias de hoje, no que tange ao capelão, por não ser mais oficialmente contratado, mas uma vez presente na comunidade, passou a ser “convidado” para as celebrações da “botada” (início da moagem) e dias santos.

- “Como se há de haver o senhor do engenho com o feitor-mor do engenho, e dos outros feitores menores, que assistem na moenda, fazendas e partidos da cana”, (hoje diretores, industrial e agrícola).

- “Como se há de haver o senhor do engenho com o mestre do açúcar e soto-mestre, a quem chamam banqueiro, e do seu ajudante, a quem chamam ajuda-banqueiro”, (hoje os responsáveis nas usinas pela fabricação). Nota: ainda nesse estágio a importância do “purgador do açúcar” (acompanhamento do processo para a cristalização).

- “Como se há de haver o senhor do engenho, com os caixeiros do engenho”, (hoje o ensacamento).

- “Como se há de haver o senhor do engenho com seus escravos”, (hoje os trabalhadores livres, no campo e na indústria intensiva de mão de obra). Nota: A mais expressiva, essencial, imperdoavelmente tardia transformação da mão de obra escrava para o trabalhador livre e devidamente remunerado, conferiu sentido social elementar à atividade para chegar até os dias de hoje como um dos mais importantes pilares de sustentação econômica e social para o Brasil como um todo, e em especial no Nordeste, como região mais carente do País.

Sendo assim, trazendo as recomendações do padre jesuíta Antonil, para a atualidade, ousamos responder: o futuro da atividade agroindustrial canavieira, só se sustenta na plena percepção de que esse fenômeno chegou ao século XXI, graças a incrível capacidade de geração de emprego e renda num país que enfrenta, em 2022, a mais grave crise social de sua multissecular história, consequência do desemprego, para cuja tragédia a mais longeva de nossas atividades, a cana-de-açúcar, continua dando respostas: “cana não é problema, é solução!”

 

*Consultor de empresa
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