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COREIA DO SUL

Sereias da vida real? Estas mulheres passam mais tempo debaixo d'água do que alguns mamíferos

As 'Haenyeo', que vivem em uma ilha da Coreia do Sul, passam entre 2 e 10 horas por dia mergulhando, com 56% desse período debaixo d'água

HaenyeosHaenyeos - Foto: University of St Andrews/divulgação

Uma nova pesquisa da Universidade de St. Andrews, na Escócia, descobriu que um grupo notável de mulheres que pratica mergulho livre em busca de ouriços-do-mar passa mais tempo debaixo d'água do que alguns mamíferos aquáticos, como castores marinhos, e rivaliza com outros, como lontras e leões marinhos.

De acordo com o estudo publicado na revista científica Current Biology, essas mulheres são conhecidas como Haenyeo, ou jawmnye na língua local, que significa literalmente "mulheres do mar", e vivem na ilha de Jeju, na costa da Coreia do Sul.

Pesquisadores monitoraram o comportamento natural de mergulho e a fisiologia de sete Haenyeo, com idades entre 62 e 80 anos, enquanto coletavam ouriços-do-mar. Para isso, eles usaram um instrumento projetado para medir o comportamento e a fisiologia de mamíferos marinhos selvagens. Esse equipamento é capaz de rastrear o comportamento de mergulho e natação das mulheres, bem como a frequência cardíaca e o nível de oxigênio no sangue por meio de um sensor óptico.

Apesar da idade, essas mulheres passaram entre duas e dez horas por dia mergulhando, com 56% desse período debaixo d'água, o que corresponde a um período total que varia de uma a cinco horas por dia. Essa proporção de tempo gasto debaixo d'água durante o mergulho constitui a mais alta já registrada entre os humanos e indica que quando elas eram mais jovens, esse tempo poderia ser ainda maior.

Além disso, a porcentagem de tempo submerso demonstrada pelos Haenyeo excedeu a de mamíferos semiaquáticos, como o castor, e é consistente com a de mamíferos marinhos, como a lontra-marinha e o leão-marinho-da-Nova-Zelândia. Mas é preciso ressaltar que embora seu desempenho geral no mergulho rivalizasse com o de mamíferos marinhos, seu tempo total de mergulho diário no mar é menor do que o de seus equivalentes animais.

Surpreendentemente, as Haenyeo não apresentaram a "resposta de mergulho" clássica dos mamíferos, com batimentos cardíacos mais lentos e fluxo sanguíneo reduzido para os músculos. Em vez disso, apresentaram frequência cardíaca elevada e apenas leves reduções de oxigênio no cérebro e nos músculos, sugerindo que seu estilo único de mergulhos curtos, superficiais e frequentes pode desencadear adaptações diferentes.

"Os Haenyeo são humanos simplesmente incríveis. Suas habilidades de mergulho são conhecidas por serem excepcionais, mas poder medir tanto seu comportamento quanto sua fisiologia enquanto realizam seus mergulhos diários de rotina é realmente único", diz o principal autor do estudo, Chris McKnight, pesquisador sênior do Instituto Escocês de Oceanos e biólogo em St. Andrews. "Acho que usar animais que consideramos aquáticos para contextualizar e dar uma perspectiva sobre os mergulhadores Haenyeo realmente ajuda a demonstrar o quão incríveis eles são."

Os Haenyeo são um grupo culturalmente significativo e reconhecido pela Unesco como Patrimônio Cultural Imaterial. O mergulho em apneia das Haenyeo é tão essencial à cultura de Jeju que a característica frequentemente abreviada da língua Jeju é coloquialmente atribuída à necessidade dos mergulhadores de se comunicarem rapidamente na superfície da água.

No entanto, isso está ameaçado, pois 90% das mergulhadoras têm agora mais de 60 anos.

"Somos muito gratos por essas mulheres incríveis terem se disposto a participar deste projeto. Elas nos receberam em seus espaços de encontro, chamados bulteok, nas manhãs antes dos mergulhos, compartilharam seus lanches e chás pré-mergulho e nos contaram histórias de uma vida inteira de mergulho.", diz Melissa Ilardo, professora assistente de genética evolutiva na Universidade de Utah e coautora do estudo. "Elas nos deram muito feedback que nos ajudou a pensar em como interpretar os resultados e planejar estudos futuros. O humor e a energia delas são tão divertidos que nos sentimos incrivelmente sortudos por podermos fazer parceria com elas."

Como potencialmente a última geração de Haenyeo, este estudo oferece um raro vislumbre de uma tradição em extinção e é um exemplo poderoso da resiliência fisiológica humana e da herança cultural sob as ondas.

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