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Sexo norteou costumes ao longo das eras

No Dia Internacional do Sexo, a Folha de Pernambuco traz uma linha histórica da prática que já foi considerada divina e criminosa

Sexo norteou costumes ao longo das erasSexo norteou costumes ao longo das eras - Foto: Divulgação

A sugestiva data para comemorar o Dia Internacional do Sexo não poderia fazer menos jus às suas obrigações. É propositalmente 6/9 (6 de setembro) e neste vale tudo (ou quase, dependendo do puritanismo ou castidade de que se propuser) que é o sexo, a comemoração pode ser a sós, a dois, a três, em grupo. Através da história, o sexo norteou costumes, construiu (e destruiu) famílias, mereceu leis próprias, foi liberado e castrado. Virou enredo de filme, de livros, de muitas vidas. É divino e criminoso ao mesmo tempo, a depender, e é fortemente ligado a jogos de poder.

Mestra e doutoranda em Psicologia, Jéssica Noca lembra que na Idade Média só existia um gênero, o masculino. “Se entendia que a mulher não tinha sexo até por volta do século 14, que ela não teria tido energia vital suficiente para chegar ao topo, que seria o masculino. É como se ela tivesse ficado uma escala abaixo”, descreve. No fim das contas, o prazer era uma benesse dos homens e para a mulher ficava a função reprodutiva. Essa percepção está fortemente ligada à construção que se tem do sexo até hoje.

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A História está carregada de sexo - cujos registros não dependeram da escrita, cuja prática não se arrefeceu pela moral religiosa e que se aliou, embora tão carnal, até ao espírito. No Oriente, por exemplo, sexualidade e espiritualidade se fizeram em um equilíbrio harmonioso para transcender a mortalidade humana. São de 3.200 anos antes de Cristo (a.C) as primeiras descrições sexuais por meio de figuras de barro na civilização antiga da Mesopotâmia. Já naquela época, a sociedade patriarcal punha a mulher, seu corpo e sua capacidade reprodutiva como propriedade masculina. Ainda assim, nas canções da época constam, veja só, os primeiros registros históricos do orgasmo feminino.

O sexo e as civilizações

O sexo e as civilizações - Crédito: Arte: Folha de Pernambuco

 

Jéssica lembra que o filósofo Michel Foucault (1926-1984) tratava de sexo e jogos de poder, principalmente relacionados aos homens. “Para a mulher, o sexo com papel de prazer é muito recente, do século 19 para o 20. Freud é considerado a grande influência nesse sentido, que identificou que também havia na mulher a necessidade do prazer sexual”, explica. Esse papel feminino, tão limitado sexualmente, tem muito a ver com a condição de tabu que o sexo ainda carrega.

“Há essa questão de gênero, esses resquícios do controle do corpo, e ainda toda uma representação social com divisões de banheiros, de quartos, e a propagação da ideia cristã que o sexo é sujo, impuro, e só deve existir no casamento.” Toda essa esquematização moral estava ligada à igreja, quando ponto central da sociedade, onde atualmente se sobressai a medicina.

A cultura é fôrma crucial. O que hoje se configuraria como crime de pedofilia, lembra Jéssica, na Grécia Antiga era normal: a iniciação sexual de alunos por seus professores. “Só homens podiam estudar e o ritual de passagem deles para a vida adulta era a relação sexual, no caso, com alguém mais experiente. Não havia a nomeação homossexual (o que só aconteceu depois do século 18), mas sempre existiu, até porque sexo por prazer era para homens e prostitutas. A relação com o sexo foi mudando com o contexto cultural e político mas, até hoje, o jogo de poder está muito presente.”

Mas as condições de dominador do homem e de dominada da mulher não são estáticas, passam por profundas mudanças com questões como o feminismo e o uso de anticoncepcionais, na década de 1950. Libertou-se, em termos, as mulheres e seus prazeres. A maternidade, que antes era destino, passa a ser escolha, e o sexo passa a existir, também, simplesmente por desejo.

Kama sutra
Foi o filósofo indiano Mallanaga Vatsyayana quem escreveu um dos livros mais conhecidos acerca da sexualidade, o Kama Sutra. Era o século 3° a.C e a sociedade hindu via surgir uma alternativa de prazer. O autor, dizem os historiadores, foi um espiritualista que, provavelmente, nunca praticou sexo. Bem, o livro é um extenso inventário de assuntos sexuais (mas não só sexo) e entre os registros mais eróticos estão descrições de açoites e “arranhões de amor”. Há ainda quatro tipos de amor, oito estágios de sexo oral e 30 posições sexuais - algumas praticamente (ou acrobaticamente) impossíveis.

Curiosamente, o Kama Sutra também traz alternativas para o aumento do pênis. Numa delas, o homem deitaria numa cama com um buraco, colocaria um peso no pênis e o deixaria pendurado até que o membro aumentasse. O livro também contém instruções sobre cortejo às mulheres: “os teus seios são como dois bicos na testa de um elefante” era um grande elogio que se poderia ser feito (sim?).

Infecções e sexualidade
“O que há tempos chamávamos de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), hoje denominamos de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), respondendo a uma antiga solicitação da OMS (Organização Mundial de Saúde). Não é apenas a mudança de uma letrinha, mas chama a atenção para uma questão: antes de uma doença causada por vírus ou bactéria se manifestar, pode ser transmitida ou adquirida sem a pessoa manifeste qualquer sintoma”, ensina e alerta a técnica do Programa Estadual de IST/Aids da Secretaria de Saúde de Pernambuco, Bethânia Cunha.

A nova forma de nomear deixa claro que os sintomas não podem nunca ser um referencial para um possível perigo de contágio. A exemplo da Aids, algumas infecções só dão sinais quando estão em estado avançado. “O uso correto do preservativo em todas as relações sexuais evita que se caia em ciladas dos critérios de julgamento: ‘não uso porque conheço a pessoa’, ‘não uso porque é de família’, ‘olhei e não vi nada’, ‘é uma pessoa tão legal, tão maravilhosa, tão saudável’”, explica Bethânia.

Especialmente a Aids está fortemente ligada ao sexo. Sua disseminação pelo mundo começou pela África e ganhou notoriedade quando chegou aos Estados Unidos na década de 1980, após o movimento de liberação sexual, que começou ainda em 1960. Parecia uma punição aos anos de sexo livre. Nos EUA, ela arrastou o estigma de infecção ligada aos homossexuais, mas, no continente africano, estava muito mais presentes em relações heterossexuais.

Qualquer das infecções sexualmente transmissíveis tem o estigma de estarem ligadas ao sexo, a esse insistente “tabu” social. Bethânia ressalta que a mudança na nomenclatura quer também lembrar que, ao se contaminar, o paciente estava “apenas exercendo sua sexualidade”. O alerta é pelo cuidado, não pelo ato sexual.

“O que existe é o patrulhamento do comportamento alheio, mas a gente precisa ficar à vontade em ser um ser sexuado. Somos e não podemos ter medo da nossa própria sexualidade. Para muitos, a sexualidade se resume à relação sexual quando, na verdade, é algo muito mais amplo.”

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