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França

Substituição de vitrais do século XIX na Catedral de Notre Dame gera polêmica na França

Abaixo-assinado rejeita a troca por obras mais modernas, como defendem Emmanuel Macron e a Igreja; templo foi atingido por incêndio em 2019

O presidente francês Emmanuel Macron durante visita às obras da Notre Dame em dezembro de 2023 O presidente francês Emmanuel Macron durante visita às obras da Notre Dame em dezembro de 2023  - Foto: Sarah Meyssonnier/(AFP)

Com ou sem um toque de modernidade? Um abaixo-assinado com mais de 120 mil assinaturas abriu uma nova polêmica sobre a reconstrução da Catedral de Notre Dame, que reabrirá suas portas em 8 de dezembro de 2024. A reforma do templo gótico, fechado desde o incêndio que o devastou em abril de 2019, está na reta final. Mas o anúncio do presidente francês Emmanuel Macron de que seis vitrais serão substituídos por outros, mais modernos, desagradou parte do público, que argumenta que troca destruiria a “unidade arquitetônica” do monumento parisiense.

Em 10 de dezembro, o historiador de arte e jornalista Didier Rykner lançou um abaixo-assinado contra a substituição dos vitrais projetados pelo arquiteto francês Eugène Viollet-le-Duc, responsável pela restauração da catedral em meados do século XIX. Eles estão localizados na parte sul da nave e não foram afetados pelo incêndio que destruiu a torre e parte da cobertura da igreja. “Os vitrais de Notre Dame desenhados por Viollet-le-Duc formam um todo coerente. O arquiteto quis ser fiel às origens góticas da catedral”, afirma Rykner, fundador da revista La Tribune de l’Art.

Durante sua última visita às obras, no dia 8 de dezembro, Macron anunciou a criação de um museu dedicado à história da catedral e das obras de arte ali abrigadas, bem como a organização de um concurso público para escolha um artista contemporâneo para projetar os novos vitrais. A ideia de substituí-los para dar um “toque do século 21” à igreja não vem apenas do presidente, mas da própria Igreja francesa. Numa carta, o arcebispo de Paris, Laurent Ulrich, expressou ao Macron o “desejo” de que o Estado encomendasse “uma série de seis vitrais para as capelas laterais da nave sul”. As críticas, porém, são dirigidas principalmente a Macron. “Quem deu ao chefe de Estado o mandato para modificar uma catedral que não pertence a ele, mas a todos?”, perguntam os signatários do abaixo-assinado, que a cada dia ganha novos apoios.

Essa não é a única polêmica envolvendo a reconstrução do monumento, que antes do incêndio atraía mais de 12 milhões de visitantes por ano. Também houve debates acalorados entre quem preferia que a emblemática torre de 93 metros, que precisou ser reconstruída, continuasse igual e quem preferia inovar. Ganharam os que exigiam que ela permanecesse idêntica. Em maio, um projeto da Câmara Municipal de Paris para plantar vegetação ao redor do monumento também gerou tensões. A questão ganhou dimensões políticas.

Outra polêmica recorrente diz respeito aos níveis de chumbo, já que o próximo passo é revestir a agulha com uma camada desse metal tóxico. Seu uso gera preocupação entre os vizinhos do templo, localizado no coração de Paris. No dia 30 de novembro, políticos, ONGs e associações de moradores protestaram em frente à catedral para exigir que fosse levada em conta a periculosidade do chumbo, no que diz respeito à saúde pública e também à ecologia. No dia do incêndio, 15 de abril de 2019, quase 400 toneladas de chumbo foram parar na atmosfera. O órgão responsável pelas obras de restauro argumenta que as novas camadas não representam perigo para o público porque estão localizadas a cerca de quarenta metros acima do solo.

Mas a polêmica do momento são os vitrais com motivos geométricos de Viollet-le-Duc. Rykner denunciou em um artigo que substitui-los seria um ato de “vandalismo”. O jornalista, conhecedor do património arquitetônico francês, sublinhou que não se opõe à inserção de criações contemporâneas em edifícios antigos, mas que neste caso não há razões válidas para retirar os vitrais, que, diz ele, “integram o projeto do arquiteto e sobreviveram ao incêndio”. Além disso, removê-los “prejudicaria o equilíbrio da luz” no interior da catedral.

Como solução, Rykner propõe colocar os novos vitrais na ala norte, local mais atingido pelas chamas. Já defensores dos vitrais mais modernos lembram que os projetados por Viollet-le-Duc serão expostos no novo museu, que será inaugurado nos próximos anos. Os opositores, porém, insistem que os vitrais só funcionam como parte da catedral. O objetivo do abaixo-assinado, que será entregue no Palácio do Eliseu, sede da presidência francesa, é atingir 150 mil apoios. A Notre Dame tem 2.500 metros quadrados de vitrais. 8% são do século XII. O restante é dos séculos XVII, XIX e XX, afirmou Olivier Ribadeau Dumas, reitor-arcebispo da catedral, ao jornal La Croix.

A reconstrução da Notre Dame já recebeu mais de € 848 milhões de doações privadas. Com os recursos, também vieram polêmicas envolvendo não só o montante das doações, mas também as isenções fiscais previstas pela lei do mecenato francesa. A nova polêmica reforça a pergunta: é possível mexer na Notre Dame sem despertar paixões conflitantes?

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