Transparência Internacional diz que flexibilização do licenciamento ambiental aumentaria "riscos"
Para a ONG, o projeto é um "grave retrocesso institucional por fragilizar garantias fundamentais de participação social e integridade" no processo
A Transparência Internacional - Brasil afirmou nesta terça-feira que a eventual aprovação do projeto de lei que altera o licenciamento ambiental pela Câmara dos Deputados "vai significar o desmonte do principal instrumento de proteção do meio ambiente do país". Para a ONG, o projeto é um "grave retrocesso institucional por fragilizar garantias fundamentais de transparência, participação social e integridade" no processo.
"O PL do licenciamento enfraquece o que deveria proteger: o interesse público pela proteção ambiental. Ao reduzir transparência e controle técnico, abre caminho para interferências políticas, favorece interesses privados e aumenta riscos de corrupção", afirma Renato Morgado, gerente de programas da Transparência Internacional - Brasil, em nota.
Entre os pontos criticados pela organização estão o entendimento de que:
O texto amplia o uso de licenças autodeclaratórias e por ato único, reduzindo a exigência de avaliações técnicas para a emissão de licenças.
O projeto também compromete a rastreabilidade dos processos decisórios ao restringir o controle social, limitar a consulta a povos indígenas e quilombolas apenas a territórios titulados e esvaziar o papel de órgãos especializados, como ICMBio e Funai.
A ausência de diretrizes claras sobre integridade pública, conflitos de interesse e prestação de contas impede a construção de um sistema minimamente eficaz de prevenção a fraudes e irregularidades.
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A ONG também aponta que a previsão de isenções amplas e critérios subjetivos para a exigência de estudos de impacto ambiental, aliada à possibilidade de renovação automática de licenças, debilitam a fiscalização e tornam o processo extremamente vulnerável a desvios. Esse cenário também se relaciona com o enfraquecimento das responsabilidades de instituições financeiras, que compromete os padrões de diligência e conformidade socioambiental.
"Para a Transparência Internacional - Brasil, uma regulamentação nacional do licenciamento ambiental não pode avançar na contramão dos princípios da democracia ambiental, da integridade pública, da transparência e do controle social. O país precisa de mais proteção do meio ambiente e do interesse público — não menos", conclui a ONG.
Advogados ouvidos pelo Globo também criticam o texto da Câmara, mas citam pontos que, na visão deles, trariam atualizações positivas na legislação. Um exemplo seria o fim da previsão do crime de concessão irregular de licenças, autorizações ou permissões ambientais na modalidade culposa.
— O crime será somente previsto na modalidade dolosa. Isto é muito bom e apoia o funcionário público que é sério e exerce o seu trabalho da maneira adequada (ou seja, a grande maioria). A atual redação é muito aberta e pode dar a entender que qualquer licença emitida "em desacordo com as normas ambientais" é passível de responsabilização criminal — afirma Rafael Feldmann, sócio em Direito Ambiental do Cascione Advogados.
Já Simone Paschoal Nogueira, sócia de Siqueira Castro Advogados, defende que o texto pode trazer uma melhoria no funcionamento prático do processo de concessão de licenças.
— Vários setores se manifestaram e puderam trazer para a redação questões de aplicação no dia a dia da experiência com a implantação dos projetos e tratativas com os órgãos sobre as questões técnicas das condicionantes dos empreendimentos, o que não se verifica na base normativa — diz a advogada. — Por isso, tem sido tão difícil trabalhar com o instrumento do licenciamento ambiental no Brasil. Ele é incompleto e formal, ou seja, não encontramos na legislação atual aspectos da realidade ambiental dos empreendimentos.
Votação
Na noite de segunda-feira, os empreendimentos minerários de grande porte e de alto risco foram incluídos nas novas regras previstas no Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental, alvo de críticas de ambientalistas, que deve ser votado nessa semana. A ausência da mineração havia sido a principal novidade do relatório do deputado Zé Vitor (PL-MG), que alterou o texto e apresentou uma terceira versão do seu parecer, dessa vez incluindo a atividade.
Na tarde desta segunda, Zé Vitor afirmou ao GLOBO que a mineração ficaria de fora do projeto por falta de "acordo técnico" sobre o tema. Assim, às 14h26, o seu relatório foi protocolado no sistema da Câmara Federal, excluindo quatro das 32 emendas do Senado, dentre as quais a Emenda nº 1, que simplifica o licenciamento de atividades ou empreendimentos minerários de grande porte e/ou de alto risco.
A proposta, alvo de resistência por parte do governo, cria ao menos quatro novos tipos de licenças que facilitam a liberação de obras ou empreendimentos em áreas ambientalmente sensíveis. São elas:
Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), que pode ser feita “mediante declaração de adesão e compromisso do empreendedor com os requisitos preestabelecidos pela autoridade licenciadora”;
Licença Ambiental Única (LAU), que estabelece, em uma única etapa, atesta viabilidade da instalação, da ampliação e da operação de atividade ou de empreendimento;
Licença de Operação Corretiva (LOC), regulariza atividade ou empreendimento que esteja operando sem licença ambiental, e
Licença Ambiental Especial (LAE): sugerida por Davi Alcolumbre, ato administrativo que estabelece condicionantes para o empreendimento estratégico ser instalado, ainda que utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente;
O novo tipo de LAE, proposto por Alcolumbre, abre caminho para que explorações ou obras como na Margem Equatorial , com possível impacto à Foz do Amazonas, possam se autorizados com maior facilidade. Alcolumbre é do estado do Amapá e tem interesse na exploração de petróleo na faixa do pré-sal, identificado na região.
O projeto ainda prevê que a licença ambiental pode ser renovada automaticamente, por igual período, sem a necessidade da análise de autoridades, a partir de declaração do empreendedor em formulário disponibilizado na internet, desde que não tenham sido alterados as características e o porte da atividade ou do empreendimento; tenham sido cumpridas as condicionantes ambientais aplicáveis ou, se ainda em curso, estejam sendo cumpridas conforme o cronograma aprovado pela autoridade licenciadora.

