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STF

Advogado de Braga Netto diz em julgamento que processo da trama golpista restringiu direito à defesa

Ex-ministro está preso desde dezembro de 2024 e responde por cinco crimes, incluindo tentativa de golpe de Estado

O ex-ministro Braga Netto durante depoimento ao STF O ex-ministro Braga Netto durante depoimento ao STF  - Foto: Antonio Augusto/STF

O advogado do general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-chefe da Casa Civil, afirmou em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que houve restrição ao direito de defesa no processo da trama golpista. Segundo o advogado José Luís Oliveira Lima, conhecido como Juca, não houve tempo hábil para a análise de todas as provas. Ao todo, há oito réus na ação, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O advogado de Braga Netto iniciou a argumentação afirmando que o tempo para exercer a defesa não foi razoável e que o general não teve pleno direito de defesa. O advogado disse que "a quantidade industrial de documentos" não foi apresentada de maneira organizada e que a defesa demorou mais de 30 dias para conseguir abrir os arquivos.

— Entendo que neste processo, que para muitos é o julgamento mais importante da história do STF, que tem repercussão internacional, o direito de defesa não pode ter nenhuma mácula. Neste processo, esta defesa não teve acesso pleno. Tivemos acesso à quase totalidade dos documentos no dia 17 de maio deste ano, dois dias antes do início da instrução — afirmou Oliveira Lima.

Os ministros estão julgando o "núcleo crucial" da trama golpista, conforme a denúncia da Procuradoria-Geral da República. Braga Netto está preso desde dezembro de 2024, sob a acusação de obstruir as investigações sobre a tentativa de golpe de Estado que buscou impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A defesa já fez sucessivos pedidos de soltura, negados pelo relator, ministro Alexandre de Moraes.

 

O general é acusado de cinco crimes: tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, participação em organização criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

O julgamento teve início na terça-feira com a leitura do relatório pelo ministro Alexandre de Moraes, seguida da manifestação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, e das sustentações orais das defesas, em ordem alfabética. Braga Netto é o último a se pronunciar.

Além de Braga Netto e do ex-presidente, os ex-ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional, Anderson Torres (Justiça e Segurança Pública) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa); o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); o ex-comandante da Marinha Almir Garnier; e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

Provas da PGR
Dentre as provas citadas pela PGR do envolvimento de Braga Netto na trama golpista está o movimento de ataque aos então comandantes do Exército e da Aeronáutica após a negativa de aderir ao golpe.

“Oferece a cabeça dele. Cagão”, disse Braga Netto em um diálogo de WhatsApp, sobre Freire Gomes. “Inferniza a vida dele e da família”, afirmou, em outro momento, sobre Baptista Junior, acrescentando em seguida: “Elogia o Garnier e fode o BJ”. O então comandante da Marinha Almir Garnier, também réu no processo, teria sido o único a aderir aos planos golpistas.

A denúncia da PGR também destaca que era de conhecimento público que Braga Netto, após a derrota nas urnas em 2022, passou a usar a sede do comitê do PL "para realizar encontros em defesa de uma intervenção militar no país".

O delator Mauro Cid citou que Braga Netto tinha "relevante participação na incitação dos movimentos populares", segundo a denúncia, afirmando que o militar era “quem mantinha contato entre os manifestantes acampados na frente dos quartéis e o Presidente da República.

Cid citou um vídeo de 18 de novembro de 2022, quando Braga Netto conversou com manifestantes pró-Bolsonaro e pediu para que eles mantivessem o ânimo, porque ainda não havia terminado e algo iria acontecer em breve.

Alegações finais
Em suas alegações finais feitas ao Supremo, a defesa de Braga Netto negou qualquer envolvimento do militar na trama golpista e listou o que considera como uma série de nulidades do inquérito, como a falta de "competência" do STF para julgar o caso e a "suspeição" do ministro relator Alexandre de Moraes.

"O Ministro Relator não é imparcial. Sua suspeição decorre do fato de a denúncia apontá-lo como a pessoa que seria vitimada pelos denunciados, sendo natural e evidente a contaminação subjetiva do julgador", diz a manifestação.

Além disso, os defensores afirmaram que o general foi vítima do chamado "document dump", quando há impossibilidade de se analisar um "gigantesco e desordenado volume de documentos digitais" em tempo hábil. Segundo os advogados, os autos do processo contém um total de 80 terabytes de arquivos, o que equivaleria a quase "44 bilhões de páginas" para serem verificadas.

Os advogados pediram ainda o cancelamento do acordo de colaboração do tenente-coronel Mauro Cid sob o argumento de que ele contém uma série de "vícios", como a falta de "voluntariedade do delator" e a "coação" por parte da Polícia Federal.

Resumo das defesas
No segundo dia de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), as defesas dos réus pela trama golpista adotaram a estratégia de desvincular trama golpista de seus clientes. O advogado Celso Vilardi, por exemplo, afirmou que a denúncia não apresentou provas que liguem o ex-presidente Jair Bolsonaro às discussões sobre tentativa de golpe. Antes dele, Matheus Milanez, que representa o ex-ministro Augusto Heleno foi na mesma linha e argumentou que o general havia se afastado de Bolsonaro após o então presidente firmar uma aliança com o Centrão em seu governo. Já o advogado do ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira afirmou que ele tentou demover Bolsonaro de levar adiante a ofensiva golpista.

O Punhal Verde Amarelo faz referência a um documento apreendido pela PF que descreve como deveria ser executado um plano de assassinato do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, o presidente Lula e o vice Geraldo Alckmin. Já o "Operação Luneta", outro arquivo apreendido nas investigações, continha um planejamento de ruptura institucional em razão do resultado das eleições presidenciais de 2022.

Vilardi manteve as críticas à delação de Mauro Cid, que classifica como "mentirosa": — A delação é algo que não existe nem aqui e nem em nenhum lugar do mundo. Se reconhecer uma parcial validade da delação e ainda assim fazer o aproveitamento dela diminuindo a pena — disse ele.

O advogado de Bolsonaro usou argumentos da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Polícia Federal para contestar a delação de Cid. Ele lembrou um relatório da PF feito em novembro de 2024 apontando que a delação tinha "inúmeras omissões e contradições". Cid prestou novos depoimentos depois, e a delação, homologada por Moraes, foi mantida.

Afastamento de Heleno pós-Centrão
Milanez, que representa o ex-ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), por sua vez, disse que o general não participou de nenhuma reunião com Bolsonaro e a cúpula das Forças Armadas apontadas na denúncia. Segundo a defesa, que pede a absolvição, o ex-ministro se afastou do ex-mandatário a partir da segunda metade do mandato, com a ascensão do Centrão na estrutura do governo.

O advogado de Heleno reiterou que não há provas sobre a suposta participação do militar na trama do golpe.

— Trouxemos as provas aqui. Por que a Polícia Federal, junto com o Ministério Público, não trouxe as conversas de general Heleno que provam que ele estaria junto na questão da trama golpista? Porque não há (conversas). O papel aceita tudo. O general Heleno é tido como a referência das Forças Armadas brasileiras. Não há único militar nesse país que não saiba importância do general Heleno. E ele não falou com ninguém, não falou com Freire Gomes (ex-comandante do Exército), que foi seu cadete na academia? — questionou o defensor.

Sobre o papel de consultor de Heleno, apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o defensor afirmou que o general era contra a política tradicional, e reiterou que ele se afastou do ex-presidente diante da aproximação do Centrão com o governo.

— Heleno era a favor de políticos não de carreira, mas de pessoas que se destacassem pelo seu interesse na defesa nacional. Por conta desse posicionamento dele, muito claro desde o início do mandato, quando o presidente Bolsonaro se aproxima dos partidos ditos do Centrão, e tem sua filiação ao PL, inicia-se, sim, uma fase afastamento da cúpula do poder. Ele (Heleno) perdeu influência. Está comprovado esse afastamento — afirmou o advogado do general.

Ex-ministro da Defesa
Já o advogado do ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira alegou inocência do general na ação penal da trama golpista e que ele, na verdade, atuou para demover o ex-presidente Jair Bolsonaro de adotar medidas de exceção após a derrota eleitoral em 2022.

— O general Paulo Sérgio atuou para demover o presidente (Bolsonaro) de caminhar por qualquer medida de exceção. A inocência do general Paulo Sérgio, segundo a delação (de Mauro Cid), o depoimento da principal testemunha de acusação, é manifesta — disse o advogado Andrew Fernandes Farias.

O advogado sustentou que o general “não fazia parte dessa organização criminosa” e, por esse motivo, “sofreu ataques virtuais” de membros do bolsonarismo.

Sem citar diretamente os pedidos de anistia, Moraes afirmou que a "impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação". Os defensores de um perdão para os envolvidos nos atos golpistas do 8 de janeiro costumam citar como objetivo a "pacificação" do país.

— A História nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação. Pois o caminho aparentemente mais fácil, e só aparentemente, que é da impunidade, que é da omissão, deixa cicatrizes traumáticas na sociedade.

Moraes também afirmou que foi descoberta uma "verdadeira organização criminosa" que teria tentado coagir o STF e submetê-lo "ao crivo de outro Estado estrangeiro".

— Lamentavelmente, no curso da ação penal se constatou a existência de condutas dolosas e conscientes de uma verdadeira organização criminosa, e de forma jamais vista anteriormente em nosso país, passou a agir de covarde e traiçoeira, com a finalidade de tentar coagir o Poder Judiciário, em especial esse Supremo Tribunal Federal e submeter o funcionamento da Corte ao crivo de outro Estado estrangeiro.

O governo do presidente Donald Trump cassou os vistos da maioria dos ministros do STF e ainda incluiu Moraes na Lei Magnitsky, que prevê restrições econômicas, como o bloqueio de contas bancárias e de bens que tenham relação com o sistema financeiro americano. Além disso, o julgamento de Bolsonaro foi citado por Trump como um dos motivos para aplicar uma tarifa de 50% em produtos brasileiros.

— A história desse Supremo Tribunal Federal demonstra que jamais faltou ou jamais faltará coragem aos seus membros para repudiar as agressões contra os inimigos da soberania nacional, da democracia, do Estado de Direito ou da independência do Poder Judiciário — acrescentou o magistrado.

O que está em discussão?
O ponto central a ser debatido pela Primeira Turma do STF, composta pelos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux, é o plano golpista. De acordo com a PGR, foi arquitetado um complô para reverter o resultado da eleição, contrariando a Constituição, para manter Bolsonaro no poder. A investida só não teria ido adiante, mesmo com apoio de alguns militares, porque os então comandantes do Exército, Freire Gomes, e da Aeronáutica, Baptista Júnior, rejeitaram colocar as tropas à disposição do ex-presidente. O processo também representa um marco para a caserna, porque pode levar pela primeira vez à prisão de integrantes das Forças Armadas por atentado à democracia.

Quais os crimes?
Os réus respondem por cinco crimes: organização criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

A tramitação com relação às duas últimas imputações foi suspensa em relação a Ramagem por decisão da Câmara, já que os crimes foram cometidos após a diplomação dele como parlamentar, prerrogativa que a Constituição dá ao Congresso.

Veja as datas do julgamento

3 de setembro: 9h

9 de setembro: 9h

9 de setembro: 14h

10 de setembro: 9h

12 de setembro: 9h

12 de setembro: 14h

Quais as próximas etapas?
Na semana que vem, será a vez dos votos dos ministros, começando por Moraes, que será o relator. Os ministros também vão decidir, em caso de condenação, qual pena será aplicada a cada um dos réus.

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