As provas da PF contra general que admitiu autoria de plano para matar Lula
General minimizou conteúdo de plano, mas investigação apontou elementos que mostram sua atuação em trama golpista
Tratado como um "pensamento digitalizado" pelo general da reserva Mário Fernandes, ex-número 2 da Secretaria-Geral da Presidência de Jair Bolsonaro, o plano "Punhal Verde Amarelo" não é a única prova que pesa contra o militar na ação em que responde por tentativa de golpe.
O documento, segundo descreve a Polícia Federal, traçava cenários para o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal da trama golpista.
Os investigadores apontam, porém, que há outros elementos que supostamente comprovam a participação do general na trama golpista. Relatório da PF também descreve, por exemplo, que no dia 16 de dezembro, um outro arquivo contendo uma minuta de instituição de um Gabinete de Crise, que seria criado após o golpe, também foi impresso no Palácio do Planalto por um login associado a Fernandes.
A apuração identificou que foram seis cópias impressas, "possivelmente para que os documentos fossem distribuídos a terceiros, eventualmente, em alguma reunião". Os investigadores destacam ainda que, no dia seguinte às impressões, Fernandes foi ao Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro ficou recluso nos meses finais de seu governo.
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Já no caso do arquivo que continha o plano "Punhal Verde Amarelo", a PF aponta que quatro minutos após ser modificado pela última vez, um outro documento, com o mesmo número de páginas, foi impresso no Palácio do Planalto, no dia 9 de novembro, e que quarenta minutos depois da impressão, Fernandes foi ao Alvorada.
O mesmo arquivo foi impresso novamente no dia 6 de dezembro, em um momento em que Bolsonaro também estava no Planalto.
O plano envolvia operações de monitoramento do ministro Alexandre de Moraes, que começaram a ser implementadas a partir de 21 de novembro de 2022. Uma das ações tinha o objetivo de prender ou matar o ministro.
Apesar de admitir a autoria, o militar minimizou o conteúdo e disse em interrogatório no Supremo Tribunal Federal (STF) que se tratava de uma análise individual, feita por hábito pessoal.
— Esse arquivo digital, que retrata um pensamento meu que foi digitalizado, é um estudo de situação. Uma análise de riscos que fiz e, por costume próprio, resolvi digitalizar. Esse pensamento digitalizado não foi compartilhado com ninguém — afirmou o ex-secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência.
Ao longo do depoimento, Fernandes tentou afastar a ideia de que o plano tivesse objetivo prático. Disse que o material foi impresso apenas para leitura pessoal e que logo em seguida o rasgou.
— Imprimi por um costume pessoal de evitar ler documentos na tela. Imprimi para mim. Logo depois, rasguei — disse.
Mensagem ao comandante do Exército
Análise de documentos apreendidos na casa de Mário Fernandes durante uma das operações da PF mostrou ainda que o militar foi autor de um texto direcionado ao então comandante do Exército, general Freire Gomes, que o incitava a aderir a um golpe de Estado, No texto, segundo a polícia, ele indicava a realização de um “evento disparador como no passado, possivelmente, fazendo referência ao golpe de Estado de 1964”. “Tentou-se esse evento disparador no 08 de janeiro de 2023”, informa a polícia. O final do texto apreendido diz: “É agora ou nunca mais, COMANDANTE, temos que agir!”
“Isso é história”
A PF diz que Mário Fernandes “foi elemento de extrema relevância no planejamento de golpe de Estado articulado pelo grupo investigado”. No relatório, os investigadores descrevem mensagens enviadas por ele a outros militares no dia 7 de dezembro de 2022, data em que a investigação aponta que Bolsonaro apresentou aos comandantes das Forças um plano golpista, com a decretação de um estado de sítio e Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
No momento da reunião, Fernandes encaminha uma mensagem de áudio para o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, em que diz: “Cid, acho que você está tendo uma reunião importante aí agora no Alvorada (...) Isso é história. E a história é marcada por momentos como esse que nós estamos vivendo agora”. Ele pede que seja mostrado ao comandante um vídeo que a polícia não conseguiu recuperar.
Depois, ele envia uma mensagem ao general Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa e candidato a vice na chapa de Bolsonaro. "Força, general. General, está havendo uma reunião importante agora no Alvorada, eu acredito que o senhor esteja presente", afirmou.
“Diplomação do vagabundo”
No dia 8 de dezembro de 2022, Mário Fernandes enviou outra mensagem ao Cid que, segundo a PF, evidencia a sua proximidade com o ex-presidente Bolsonaro e as tratativas para consumar o golpe de Estado.
“Mas, porra, a gente não pode perder oportunidade. São duas coisas. A primeira, durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo. Mas, porra, aí na hora eu disse, pô presidente, mas o quanto antes, a gente já perdeu tantas oportunidades”, disse.
Reunião ministerial
No inquérito, a PF também descreve falas do general em uma reunião ministerial feita em junho de 2022, no Palácio do Planalto, que a polícia diz que teve uma "dinâmica golpista". Fernandes defendeu na ocasião a necessidade de cobrar um prazo para que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) autorize o acompanhamento das eleições pelos três Poderes. Segundo a denúncia, o militar propõe o que ele chama de "uma alternativa se isso não acontecer nesse prazo".
— Temos que ter um prazo para isso acontecer por parte do TSE e uma previsão, de uma próxima reunião, de alternativas para se isso não acontecer nesse prazo. Eles têm sido muito hábeis de trocar espaço por tempo. Daqui a pouco estamos nas vésperas do primeiro turno. E aí tem pressão internacional, a liberdade de ação do senhor e do governo vai ser bem menor, a população vai começar a acreditar: “Não, então tá tranquilo, o governo não tomou a medida mais radical, então tá, tranquilo” — disse.
O militar ainda afirmou que uma ação teria que ser feita antes das eleições, com o país em um “estado de normalidade”.
— É preciso ter um prazo (...) para que uma alternativa seja tomada antes que aconteça (as eleições). No momento que acontecer, o que vai… É 64 de novo? É uma junta de governo? É um governo militar? É um atraso de tudo que se avançou no país? Isso que vai acontecer. Tem que ser antes, tem que acontecer antes, como nós queremos, dentro de um estado de normalidade. Mas é muito melhor assumir um pequeno risco de conturbar o país pensando assim, para que aconteça antes, do que assumir um risco muito maior da conturbação no 'the day after', né? Quando a fotografia lá for de quem a fraude determinar — afirmou.

