Delação de Cid no foco: confira o que militar falou sobre réus do 'núcleo crucial' da trama golpista
Defesas dos réus fizeram sustentações orais rebatendo provas coletadas pela Polícia Federal e a colaboração premiada do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro
Como previsto, a delação do tenente-coronel Mauro Cid foi um dos principais pontos discutidos pelas defesas de alguns dos réus do chamado “núcleo crucial” da ação penal da trama golpista, que inclui o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O julgamento teve início na última terça-feira, e as defesas dos envolvidos fizeram sustentações orais rebatendo provas coletadas pela Polícia Federal.
No caso de Bolsonaro e do general Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, os advogados dedicaram mais tempo para desqualificar a delação, já que ambos são implicados de maneira mais significativa.
A defesa do almirante Almir Garnier Santos, que comandou a Marinha no governo Bolsonaro, também questiona a delação. O advogado do ex-comandante, Demóstenes Torres, pediu a rescisão do acordo.
Cid firmou um acordo de colaboração em setembro de 2023, quando foi solto após quatro meses detido. A partir de então, prestou uma série de depoimentos à PF.
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O acordo passou a ser questionado depois que foram revelados, pela revista “Veja”, áudios nos quais Cid critica o trabalho dos investigadores e o ministro Alexandre de Moraes, responsável por homologar o acordo na Corte. "Eles queriam que eu falasse coisas que eu não sei, que não aconteceu", disse Cid na ocasião.
A questão foi, inclusive, explorada pelas defesas. O advogado do general Braga Netto, José Luis Oliveira Lima, conhecido como Juca, por exemplo, falou sobre isso em sua sustentação oral, frisando que não houve voluntariedade por parte do colaborador. A defesa de Cid, por sua vez, defendeu a validade do acordo e afirmou que não houve coação.
Confira os principais pontos do que Cid já disse sobre cada um dos réus do núcleo em análise:
Jair Bolsonaro
-Discurso de fraude das urnas: Cid relatou que Bolsonaro pressionava para que o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, endurecesse o relatório produzido pelas Forças Armadas sobre as urnas eletrônicas.
— O presidente entendia que a conclusão tinha que ser mais dura, apontando que pode ter havido fraude — afirmou em depoimento ao ministro Moraes.
Segundo o militar, Nogueira havia feito inicialmente um documento com uma conclusão técnica, dizendo que não houve fraude.
-Minuta golpista: Cid relatou que o ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência Filipe Martins levou a Bolsonaro no Palácio da Alvorada uma minuta com teor golpista. O documento tinha uma série de “considerandos”, segundo o tenente-coronel, listando supostas intervenções do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no governo Bolsonaro e nas eleições.
Outra parte falava de estado de defesa, estado de sítio e prisão de autoridades, dentre elas o ministro Moraes e os presidentes da Câmara e do Senado. Cid disse que Bolsonaro “enxugou o documento”, mantendo a previsão de prisão apenas de Moraes.
-Apoio popular: Cid contou que Bolsonaro tinha uma estratégia para manter a pressão popular durante o período pós-eleitoral. Segundo o tenente-coronel, o então presidente não queria que os manifestantes em frente aos quartéis do Exército deixassem as ruas. De acordo com Cid, Bolsonaro acreditava firmemente que seria possível encontrar uma fraude nas urnas eletrônicas. Por isso, considerava essencial o “clamor popular para reverter a narrativa”.
Braga Netto
-Reunião: Cid afirmou ter participado de uma reunião na casa do general, em 12 de novembro de 2022, com militares do chamado “kids pretos”, grupo de elite do Exército. O delator disse que não participou da reunião, ficando apenas alguns minutos, mas afirmou que foi uma conversa de insatisfações com o rumo do processo eleitoral e com a forma como as Forças Armadas tratavam esses assuntos.
-Sacola com dinheiro: O militar relatou que dias depois, foi procurado por um desses militares, que pedia recursos para manifestações. Segundo Cid, Braga Netto orientou que procurasse o Partido Liberal (PL), legenda do general e de Bolsonaro. Não foi possível obter recursos na sigla e Cid afirmou que recebeu uma sacola de vinho com dinheiro das mãos de Braga Netto.
-Incitar manifestantes: A Procuradoria-Geral da República (PGR) destacou nas alegações finais que Cid ressaltou "a relevante participação de Braga Netto na incitação dos movimentos populares". Segundo o relator, o general era “quem mantinha contato entre os manifestantes acampados na frente dos quartéis e o Presidente da República”. O delator chegou a citar um vídeo de novembro de 2022 no qual Braga Netto conversa com manifestantes e diz para que eles mantivessem a esperança, porque ainda não havia terminado e algo iria acontecer.
"Sobre esse vídeo o colaborador reafirma que tanto o então Presidente Jair Bolsonaro quanto o general Braga Netto esperavam que algo pudesse acontecer para convencer as Forças Armadas a darem o golpe e por isso incentivavam a manutenção das mobilizações em frente aos quartéis", pontuou a PGR.
— O general Braga Netto trouxe uma quantia em dinheiro, que eu também não sei precisar quanto foi, mas com certeza não foi os cem mil, porque até pelo volume não era tanto, eu peguei assim um... Então, que foi passado para o Major de Oliveira, no próprio Alvorada — contou.
Augusto Heleno
Segundo Mauro Cid, no início do governo Jair Bolsonaro, o general Augusto Heleno era frequentemente consultado sobre questões políticas relevantes. Com o passar do tempo, no entanto, especialmente nos dois últimos anos de mandato, esse espaço foi reduzido, e o general passou a ser cada vez menos demandado para assessorar o presidente.
Cid também afirmou que nunca presenciou qualquer ação operacional ou planejamento de cunho golpista por parte de Heleno.
Alexandre Ramagem
Mauro Cid afirmou que não identificou Alexandre Ramagem entre os grupos que discutiam estratégias ou participavam das reuniões relacionadas à trama golpista.
Anderson Torres
De acordo com Mauro Cid, o então ministro da Justiça Anderson Torres praticamente não participou das articulações no período pós-eleitoral. O militar tê-lo visto apenas uma ou duas vezes no Palácio da Alvorada durante as oito semanas após as eleições, sem envolvimento em reuniões de assessoramento jurídico.
Paulo Sérgio Nogueira
Mauro Cid classificou o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, como integrante do grupo mais moderado. Segundo o militar, Paulo Sérgio fez um relatório técnico da Comissão de Transparência das Eleições e chegou a marcar reunião para entregá-lo ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No entanto, esse compromisso acabou sendo desmarcado após pressão do presidente Jair Bolsonaro, que queria uma versão mais dura do documento.
De acordo com Cid, o texto inicial elaborado por Paulo Sérgio era estritamente técnico, apontando ausência de fraude nas urnas. Bolsonaro, no entanto, defendia que a conclusão deveria levantar a possibilidade de irregularidades. O relator afirmou que, ao final, prevaleceu uma versão intermediária.
Cid também contou sobre o episódio em que Bolsonaro se reuniu, no Palácio da Alvorada, com o hacker Walter Delgatti, levado pela deputada federal Carla Zambelli, hoje presa na Itália. Na ocasião, Delgatti expôs hipóteses técnicas de como poderia ter ocorrido fraude nas urnas.
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro disse, ainda, se recordar de que Paulo Sérgio teria encaminhado ao presidente um discurso a ser feito após as eleições, possivelmente em tom de proclamação, embora não lembre dos detalhes do conteúdo.
Almir Garnier
Sobre o ex-comandante da Marinha, Cid o classificou no grupo “dos mais radicais” que ficavam no entorno de Bolsonaro. O tenente-coronel falou que o ex-comandante do Exército Freire Gomes relatou sobre a reunião entre Bolsonaro e os chefes das Forças em que o ex-presidente apresentou a minuta golpista. Na ocasião, segundo Cid, Garnier havia colocado as tropas da Marinha à disposição do presidente Jair Bolsonaro para uma ação golpista.
— Que o general Freire Gomes tinha ficado muito chateado porque o almirante tinha colocado as tropas, a Marinha à disposição do presidente, mas que ele só poderia fazer alguma coisa com o apoio do Exército, né? Então, o general Freire Gomes ficou muito chateado de ter transferido a responsabilidade pra ele, né?, nesse sentido — disse em depoimento a Moraes.

