Facções crescem onde o estado falha
Pesquisadores e autoridades alertam que desigualdade, corrupção e sistema prisional disfuncional alimentam o crime organizado no país
Mesmo que este seja o tema dominante do debate público, ainda existem muitas questões a esclarecer sobre o crime organizado no Brasil, sobretudo a maior delas: como combatê-lo de forma eficaz. É necessário investigar lacunas na atuação das forças de segurança, na cooperação entre estados e na capacidade de investigação e julgamento.
Também é fundamental enfrentar as causas estruturais que alimentam o crime, como a desigualdade, fragilidade institucional e economia informal, e construir respostas integradas que articulem prevenção, repressão e políticas sociais duradouras.
Para o secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, o Brasil vem de um contexto histórico marcado por “muitas inquietações na vida política, ditaduras, golpes, prisões e CPIs”, o que, segundo ele, explica os tropeços do país na estruturação da sociedade. Segundo o secretário, a combinação desses fatores resultou em uma desigualdade social “fortíssima e aguda”, com reflexos diretos na criminalidade organizada e na segurança pública.
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Sarrubbo ressaltou que é fundamental compreender que a segurança pública é um conceito complexo, que envolve não apenas uma polícia forte, um Ministério da Justiça atuante e instituições consolidadas, mas também a conscientização social.
“Precisamos abandonar aquele comportamento tradicional do brasileiro de achar que isso não é problema meu. A segurança é uma ligação direta com o Estado, e a sociedade precisa estar engajada nesse processo”, defendeu.
O secretário destacou ainda que, em 2025, o país vive uma nova etapa de integração entre os órgãos de segurança.
“Estamos realizando reuniões que já contam com a participação da Polícia Federal, o que representa um avanço significativo”, afirmou. Segundo ele, o trabalho conjunto tem permitido o desenvolvimento de protocolos de investigação e metodologias de atuação mais consistentes, com troca constante de dados e informações entre as instituições.
“Não basta juntar os órgãos, é preciso institucionalizar um canal permanente de diálogo com as instituições com as quais queremos conversar”, explicou Sarrubbo.
Fatores sociais
Desde os anos 1980, pesquisadores já apontavam para mudanças profundas nas dinâmicas sociais que ajudam a explicar a atração exercida pelo crime. A antropóloga Alba Zaluar foi uma das primeiras a observar uma transformação radical nas novas gerações: jovens que não se contentavam em reproduzir a vida de seus pais - como empregados na construção civil ou trabalhadoras domésticas - e que passaram a desejar o acesso ao consumo e ao luxo, de toda forma.
O professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Josias de Paula, reforça essa leitura.
“Como os meios institucionais e as formas legais impedem esse tipo de ascensão social, resta o caminho ilícito. Daí a força dos grupos criminosos em arrebatar sempre e cada vez mais jovens. É um magnetismo que só fez crescer de lá pra cá”, afirmou. Para ele, a baixíssima mobilidade social no Brasil é uma das principais responsáveis pela atração que o crime exerce sobre parcelas da população.
Josias acrescenta que, além do fator social, há uma incompetência histórica do Estado em enfrentar as organizações criminosas de forma coordenada.
“Um enfrentamento sério implicaria uma ação articulada pela União, junto com os estados, reunindo não apenas as polícias federal e estaduais, mas também a Receita Federal, o Ministério Público e a Abin. Uma força-tarefa robusta, com propósitos claros e ação colaborativa. Nunca houve tal articulação. Daí termos esse crescimento perigoso, contínuo e flagrante das facções”, avaliou.
Falhas estruturais
Segundo o cientista político Sandro Prado, o fortalecimento das facções criminosas está diretamente ligado a falhas estruturais do Estado.
“O sistema prisional disfuncional funciona como incubadora de membros para as facções. A governança local é sofrível, com ausência do Estado em prover educação, saúde, emprego e política urbana nos territórios controlados por facções. Além disso, corrupção e captura de agentes de segurança transformam segmentos da polícia e agentes públicos em vetores de continuidade operacional das redes criminosas. Por fim, a economia informal e a desigualdade permitem que os mercados ilícitos ganhem força justamente onde há exclusão econômica e poucas alternativas de renda”, explicou.
Ele destaca ainda os déficits de inteligência integrada e coordenação federativa: a fragmentação entre esferas federal, estadual e municipal dificulta estratégias de longo prazo, e os antagonismos políticos atrapalham a cooperação entre os entes federativos.
O combate em Pernambuco
O Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), tem ampliado significativamente sua atuação em 2025. Somente neste ano, mais de dez operações foram deflagradas contra o crime organizado no estado, com foco especial no avanço de facções que têm se espalhado para o interior.
Segundo o promotor Fabiano Beltrão, integrante do Gaeco, o fortalecimento da estrutura do grupo acompanha justamente esse movimento de interiorização.
“Por conta da expansão dessas organizações, o Gaeco também se interiorizou, o que já era uma proposta. Hoje temos núcleos em Caruaru e Petrolina, um avanço importante, que resultou em um aumento de cerca de 70% no número de membros designados. A tendência é continuar expandindo”, afirmou.
No Agreste, há uma estrutura laboratorial semelhante à da sede na capital, o que tem reforçado a autonomia investigativa, otimizando tempo e recursos.
“Temos um laboratório próprio de informática, que realiza extrações de dados de telefones e análises periciais diretamente em Caruaru. Isso dispensa a necessidade de enviar material para Recife”, destacou o também integrante do Gaeco, o promotor Adeilson Lins.
O Gaeco atua não apenas contra facções conhecidas, mas contra qualquer tipo de organização criminosa identificada no estado.
“Nosso trabalho vai além do enfrentamento das facções. Atuamos em qualquer estrutura organizada que vise corromper ou burlar o sistema. O objetivo é fortalecer o mapeamento e promover ações penais consistentes contra grupos articulados”, completou Beltrão.
Ao contrário do Rio de Janeiro, Pernambuco apresenta uma realidade distinta, sem a ocupação territorial expressiva por facções observada em outros estados.
“Em Pernambuco, você tem uma atuação mais estratégica, a gente consegue mapear onde estão e já atua para combatê-los antes mesmo deles crescerem a ponto de o estado ficar mais frágil em relação às atuações”, avaliou o promotor Fabiano.

