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GOVERNADOR DA BAHIA

Fala sobre bolsonaristas irem 'para a vala' gera mal-estar até entre aliados de Jerônimo Rodrigues

Integrantes da base do governador da Bahia relataram desconforto e preocupação com a repercussão da declaração

Governador da Bahia, Jerônimo RodriguesGovernador da Bahia, Jerônimo Rodrigues - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ao sugerir, na última sexta-feira (3), que os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) fossem todos “para a vala”, o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), desencadeou uma crise política que extrapolou os limites da oposição.

A declaração, feita durante a inauguração de uma escola no município de América Dourada, provocou forte reação de parlamentares bolsonaristas, que prometeram medidas judiciais contra o petista. No entanto, o episódio também causou desconforto entre aliados e integrantes da própria base de apoio do governo estadual.

Nos bastidores, membros de partidos que integram a base governista — como PSD, MDB, PSB e até mesmo do próprio PT — manifestaram incômodo com o tom da fala de Jerônimo. A avaliação predominante é a de que o governador “passou dos limites” ao utilizar uma linguagem "agressiva", considerada por muitos como incompatível com o cargo que ocupa.

A declaração acontece num momento sensível para o Palácio de Ondina, quando Jerônimo vinha articulando uma aproximação com partidos da centro-direita, como o PP e o PRD. A repercussão negativa pode gerar um custo político imediato: líderes dessas siglas, que já vinham demonstrando interesse por maior espaço na administração, devem aproveitar o desgaste para pressionar por mais cargos e influência no governo.

Quem reconheceu publicamente o erro do governador foi o presidente de honra do MDB na Bahia, o ex-deputado federal Lúcio Vieira Lima. Ele e seu irmão, Geddel Vieira Lima, são próximos do governador e foram condenados pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa.

— Ele foi infeliz, mas tomou a única atitude possível: reconheceu o erro e pediu desculpas. É claro que a oposição vai explorar isso, como é natural na política — afirmou.

Ainda assim, Lúcio minimizou o impacto da fala ao relembrar episódios polêmicos do principal adversário de Jerônimo, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto (União Brasil), herdeiro político do carlismo.

— ACM Neto já chegou a se declarar pardo para obter vantagens em financiamento de campanha e nunca pediu desculpas por isso — alfinetou.

Embora aliados atenuem os efeitos de longo prazo, o episódio acirrou tensões internas na base governista. Parlamentares ligados a partidos que apoiaram Jerônimo desde a eleição de 2022 — como PT, PCdoB, PV, PSB, MDB, AVANTE e PSD — vêm demonstrando insatisfação com as recentes investidas do governador em direção a legendas que não integravam a coligação original. O sentimento é de “abandono” e de que os novos aliados estariam sendo priorizados na distribuição de espaços no governo.

Essa movimentação se soma a uma rusga cada vez mais pública entre o governo e o PSD, partido que tem hoje duas cadeiras no Senado Federal. Um dos senadores, Ângelo Coronel, já manifestou seu desejo de disputar a reeleição em 2026. O problema é que o PT quer lançar uma chapa pura para a disputa majoritária, com o atual ministro da Casa Civil, Rui Costa, e o senador Jaques Wagner — ambos ex-governadores e figuras centrais na política baiana.

O desenho dessa “super chapa dos vencedores”, como passou a ser chamada nos bastidores, provocou reações imediatas no PSD, que se sente preterido. Como alternativa, interlocutores próximos ao governador sugeriram ceder ao partido a vaga de vice na chapa, hoje ocupada por Geraldo Júnior (MDB). A proposta, no entanto, não empolgou os caciques do PSD, que veem a vice-governadoria como uma posição de pouca influência.

A resposta veio com contundência. Ângelo Coronel tem feito críticas públicas a essa articulação petista e, no mês passado, chegou a comparar a postura do partido ao nazismo.

— Antigamente, os nazistas queriam manter uma raça pura. Guardadas as proporções e sem qualquer conotação extrema, é inadmissível que o PT queira ocupar três das quatro vagas da chapa majoritária — declarou, em entrevista à rádio Jequié.

A declaração provocou reação negativa e Coronel recuou dias depois, alegando que foi mal interpretado. Questionado sobre a fala de Jerônimo, desta vez, preferiu o silêncio.

Polêmica favorece oposição
A fala de Jerônimo que acendeu a polêmica ocorreu durante a inauguração da Escola Estadual Nancy da Rocha Cardoso. Em seu discurso, o governador criticou duramente a atuação do ex-presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia de Covid-19 e subiu o tom contra os apoiadores.

— Tivemos um presidente que sorria das pessoas que estavam morrendo, que não podiam respirar. Ele vai pagar por isso. Quem votou nele podia pagar também. Bota uma enchedeira... sabe o que é? Uma retroescavadeira. Bota e leva tudo para a vala!

Na segunda-feira, ele pediu desculpas se o termo usado tinha sido pejorativo e afirmou ser contra a violência, mas a frase já tinha ganhado repercussão nacional. O deputado estadual Diego Castro (PL) apresentou uma representação ao Supremo Tribunal Federal (STF), acusando o governador de abuso de autoridade e discurso de ódio. Já o deputado federal Otoni de Paula (MDB) e a direção nacional do PL acionaram a Procuradoria-Geral da República (PGR), exigindo providências.

No campo adversário, o entorno de ACM Neto vê o episódio como uma oportunidade estratégica e já planeja utilizar a declaração de Jerônimo como munição na campanha do próximo ano. Ao mesmo tempo, Neto busca se reaproximar de partidos da base de Jerônimo que se sentem marginalizados, uma vez que a oposição é composta majoritariamente pelo União Brasil e PL.

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