Governo pretende retirar conteúdo ilegal das redes sociais sem ordem judicial e suspender big techs
Sanção às plataformas ocorreria em caso de descumprimento das normas; texto está na Casa Civil e deve ser enviado ao Congresso nos próximos dias
O projeto de lei em discussão no governo para a regulação das redes sociais estabelece que as plataformas removam, sem necessidade de ordem judicial, publicações que atentem contra a democracia e promovam outros crimes, como terrorismo, assassinatos e aqueles que tenham como alvos crianças e adolescentes.
Há ainda a previsão de suspensão temporária das redes sociais que não cumpram as regras, além da aplicação de multas.
De acordo com a proposta, é papel das big techs a “detecção e a imediata indisponibilização de conteúdo ilícito” dentro dos parâmetros estabelecidos.
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A minuta do texto, a que O Globo teve acesso, prevê também que as plataformas guardem dados que identifiquem os autores das publicações ilícitas, para que possam ser responsabilizados na Justiça.
A proposta está em fase de discussão final na Casa Civil e deve ser enviada ao Congresso nos próximos dias, de acordo com a ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais). Na quinta-feira, Lula voltou a defender a regulação de plataformas:
— O Brasil tem lei, que vale para nós e para as empresas estrangeiras. Não vamos permitir a loucura que se faz com crianças e adolescentes. A pedofilia, o estímulo ao ódio, as mentiras, colocar em risco a democracia e o Estado de Direito, não vamos deixar. Por isso vamos regular (as redes) e queremos responsabilizar quem fica utilizando criança para praticar pedofilia. Ele (o presidente americano Donald Trump) tem que saber que quem manda neste país é o povo brasileiro — afirmou Lula.
O projeto prevê duas camadas para retirada de publicações, ambas sem necessidade de ordem da Justiça: uma que é de responsabilidade imediata das redes; e outra que depende de notificação dos usuários. Esse segundo caso contempla um leque maior de publicações, como conteúdos que contenham “desinformação sobre políticas públicas”.
Remoção “imediata” pelas plataformas
- Crime que tenha como vítima criança ou adolescente;
- Atos de terrorismo ou preparatórios de terrorismo;
- Induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, à automutilação e a outros crimes contra a vida ou de lesão corporal
- Crimes contra o Estado Democrático de Direito, contra a dignidade sexual, contra a saúde pública e de discriminação;
- Publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança;
Há um leque maior de obrigações quando os provedores são notificados por terceiros:
- Remoção a partir de notificação
- Todos os casos em que há previsão de remoção imediata
- Publicidade enganosa ou abusiva em até 24 horas, após alertas do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor,
- Oferta e publicidade de serviços proibidos ou irregulares, após aviso de órgãos do Executivo federal
- Conteúdos ilícitos que promovam a desinformação sobre políticas públicas
A regulação das redes sociais voltou a ganhar força nesta semana com o impacto gerado pelo vídeo do influenciador Felca, que viralizou nas redes sociais com denúncias sobre erotização de crianças em conteúdos publicados nas redes sociais, pratica conhecida como "adultização".
Após a repercussão do vídeo, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que pretende acelerar a tramitação do projeto que endurece a punição para o aliciamento de crianças e adolescentes nas redes sociais.
Essa proposta não é de origem do governo, veio do Senado e está sob relatoria de Jadyel Alencar (Republicanos-PI). A ideia do Planalto é tratar os textos em conjunto.
A iniciativa em elaboração pelo governo proíbe a criação de conta própria de crianças ou adolescentes em serviços digitais para intermediar acomodações e hospedagem; apostas e jogos on-line, conteúdo pornográfico; intermediação de acompanhantes ou de relacionamento.
O projeto também prevê ainda que cabe aos donos de plataformas que oferecem esses serviços impedir seu acesso por crianças e adolescentes, inclusive com sistemas de verificação etária ou de identidade.
Pela proposta do Executivo, a regulação dessas regras caberá a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
A nova lei inclusive prevê a criação de duas centenas de cargo para que a autarquia possa zelar pelo cumprimento das regras, decidir sobre a existência das infrações e aplicar as sanções cabíveis no âmbito administrativo.
Outros pontos da lei proposta
- Instituir canal de denúncia para comunicação de atividades e conteúdos ilícitos;
- Garantir ao usuário diretamente afetado a contestação das decisões tomadas, respondendo de maneira motivada e em prazo razoável acerca das razões expostas;
- Identificar as contas automatizadas;
- Tomar medidas para excluir contas automatizadas não identificadas;
- Identificação do impulsionamento, com repositório de dados.
Decisão do STF
O projeto apresentado pelo governo está alinhado com a decisão do Supremo Tribunal Federal que definiu em junho, por oito votos a três, que o artigo 19 do Marco Civil da Internet era inconstitucional e que as redes devem ser responsabilizadas por conteúdos ilícitos publicados pelos usuários.
Até então, vigorava o entendimento que as redes só poderiam apagar publicações após uma decisão da Justiça. A Corte, então, estabeleceu que, em casos de ataques à democracia como incentivos a golpes de Estado, racismo, terrorismo, discurso de ódio, pedofilia e incitação à violência, as plataformas têm o dever de cuidado, ou sejam, devem remover o conteúdo de forma proativa.
Em casos de outros crimes, a retirada deve ocorrer a partir de uma notificação extrajudicial. Em casos de crimes contra a honra, como difamação, segue valendo a necessidade de ordem judicial.

