Hora de desarmar palanques e voltar atenção ao Nordeste
Governadores nordestinos faltaram reunião com futuro chefe do Planalto e atitude dividiu opiniões. Para quebrar o gelo, um convite foi feito para o o capitão participar de audiência particular com os gestores. Após o tensionamento das eleições, a leitura
A ausência dos governadores eleitos e reeleitos do Nordeste da reunião com a equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) na última quarta-feira, em Brasília, suscitou críticas quanto à postura dos gestores nordestinos. O “caráter eminentemente político” do encontro, organizado pelos governadores eleitos João Doria (PSDB), de São Paulo, Wilson Witzel (PSC), do Rio de Janeiro, e Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, foi o real motivo do esvaziamento. Afinal, há interesses estão em jogo.
O governador reeleito Wellington Dias (PT) representou o Fórum dos Governadores do Nordeste na reunião. Apresentou uma carta com reivindicações para a região e convidou o futuro presidente para uma reunião na próxima quarta-feira, em Brasília, ou após a posse como presidente da República, tudo alinhado com os demais gestores. O presidente eleito ainda não confirmou. O petista justificou a ausência dos colegas a equipe de Bolsonaro por questões de incompatibilidade de agendas.
Os governadores Paulo Câmara (PSB), de Pernambuco, e Renan Filho (MDB), de Alagoas, estavam de férias. Camilo Santana (PT), do Ceará, e Rui Costa (PT), da Bahia, em missões no exterior. Fátima Bezerra (PT), do Rio Grande do Norte, Belivaldo Chagas (PSD), de Sergipe, João Azevêdo (PSB), da Paraíba, e Flávio Dinho (PCdoB), do Maranhão, não compareceram, sob a justificativa de não se tratar de uma reunião institucional.
Os nordestinos, todavia, sinalizaram que desejam sentar à mesa com o presidente eleito, mas em outra situação. Afinal, em crise fiscal, os estados necessitam da relação com a União para conseguirem sobreviver. Os governadores da região tem como prioridade a questão da segurança pública. Mas há também propostas para combater o desemprego, promover o crescimento da economia com foco no desenvolvimento regional e a questão hídrica.
O presidente nacional do PSL, deputado federal Luciano Bivar, afirma que não houve qualquer constrangimento por parte da equipe do presidente eleito com a ausência dos governadores nordestinos, tampouco haverá qualquer retaliação. “Bolsonaro ainda está aguardando ser diplomado e só depois poderá fazer algo de fato. Agora, seria até um desrespeito ao governo vigente”, declara.
O cientista político José Mário Wanderley, da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), interpreta a ausência dos governadores nordestinos mais como um recado aos aliados de Bolsonaro - Doria, Witzel e Ibaneis -, que puxaram a reunião numa movimentação de afirmação de lideranças, do que ao presidente eleito. “Vocês (Doria, Witzel e Ibaneis) querem se colocar como lideranças nacionais e nós (os gestores nordestinos), como bloco regional, não reconhecemos isso”, destaca.
Nos bastidores, as críticas à reunião convergiam em torno do caráter político e não institucional. A convocação não partiu do gabinete de transição do governo Bolsonaro, tampouco dele. Mas de governadores eleitos alinhados ao futuro presidente, mas não empossados, que tentam se colocar como lideranças nacionais. Um novo encontro deve ocorrer em 12 de dezembro.
“Desarmar palanque”
Todos os gestores eleitos ou reeleitos no Nordeste estavam aliados ao candidato derrotado Fernando Haddad (PT), que, por sua vez, venceu em todos os estados da região com ampla margem. A reunião da última semana seria a primeira oportunidade de estreitar as relações com o presidente eleito, após uma eleição polarizada, tensa. Esta, todavia, não foi aproveitada.
O cientista político Antônio Lucena, do Observatório do Poder, avalia que os governadores ausentes perderam a chance de desarmar o palanque e criar uma relação com o presidente eleito. “A campanha eleitoral acabou, está na hora de governar e essa aproximação (com o presidente) é importante”, frisa Lucena. “A reunião se faz extremamente necessária por causa das necessidades fiscais que os partidos do Nordeste estão passando”, acrescenta.
O ex-governador de Pernambuco, Gustavo Krause, destaca que a ausência dos governadores ratifica o clima de agressividade que foi a eleição, mas que é necessário superar isso. “Há um rescaldo tóxico-eleitoral que vai se diluindo, mas (os governadores da região) perderam a chance de virar a página da eleição”, pontua.
“Não foi oficial”
O cientista político Ítalo Fittipaldi, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), explica que o vencedor do pleito - no caso, Jair Bolsonaro - deveria fazer um gesto, o que não ocorreu. Afinal, não foi ele quem convocou a reunião. Bolsonaro, inclusive, só confirmou presença no encontro um dia antes. “A reunião não foi oficial. Será importante quando for institucional”, ressalta. Neste caso, quando for convocada pelo gabinete de transição, ministros ou presidente.
Já o senador Cristovam Buarque, ex-governador do Distrito Federal, ressalta que todos estavam representados na reunião pela figura de Wellington Dias, que foi representando o Fórum dos Governadores do Nordeste. Lá, houve um gesto dos nordestinos convidando Bolsonaro para um encontro, ainda não confirmado pelo futuro chefe do Executivo. Buarque, todavia, não acredita que a ausência vai gerar problemas na relação entre presidente e governadores. “Se houver, eles vão ter tempo para recuperar a relação”.
Fittipaldi e Wanderley seguiram o mesmo raciocínio de Buarque. Afinal, sem convite oficial e sem posse, a reunião seria apenas política. Ou simbólica. “É o momento de desmontar o palanque. Mas (os governadores) não têm muito a perder neste momento de transição. O orçamento do ano que vem é por Michel Temer. Os recursos que vão receber, em grande parte, estão predestinados desse ano. Eles têm o ano de 2019 para fazer as pazes e o final de 2018 para marcar posição pós-eleitoral”, avalia o politólogo da Unicap.
Pernambuco
De férias na Espanha, o governador Paulo Câmara não compareceu ao encontro, tampouco enviou representante. A princípio, a deputada federal Luciana Santos (PCdoB), vice-governadora eleita, participaria, mas, numa ação coordenada com os demais gestores nordestinos, recuou. O Palácio do Campo das Princesas sinalizou que por ser uma reunião política não mandaria representante. A oposição não perdeu a oportunidade de criticar a postura do governador.
Em defesa, o líder do governo na Assembleia Legislativa, deputado estadual Isaltino Nascimento (PSB), reafirma a legitimidade do Fórum dos Governadores do Nordeste para representar o Estado na reunião e questiona a movimentação de Doria, Witzel e Ibaneis Rocha. “São gestores que sequer tomaram posse, mas estão se arvorando, de cima para baixo, como os arautos dos demais governadores”, critica. “Na nossa ótica, o Governo de Pernambuco agiu de forma correta ao não chancelar algo que sequer existe”, conclui.

