Lula deve retomar diálogo com a cúpula do Congresso após conflitos no primeiro semestre
Presidente partiu para o confronto com Hugo Motta e Davi Alcolumbre no caso do IOF para "mostrar força", mas está disposto a voltar a conversar, dizem aliados
A disputa entre o governo e a cúpula do Congresso em torno do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) havia sido deflagrada e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não escondia nos bastidores que estava cada vez mais contrariado com o comportamento dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (Uniao-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Para o petista, o revés era injustificado diante da maneira como vinha tratando os dois parlamentares, chamando-os inclusive para viagens ao seu lado.
Segundo um ministro, Lula ficou “extremamente decepcionado”, especialmente com Motta, que chegou a se recusar a atender uma ligação do petista às vésperas da votação do decreto legislativo sustando o aumento do IOF. Mas os tempos agora são outros.
Após a vitória no caso conquistada no Supremo Tribunal Federal (STF), a expectativa de aliados é que Lula retome o diálogo com os dois após o recesso. De acordo com um auxiliar, o presidente partiu para a briga para mostrar força, mas depois de dar a resposta, está disposto a voltar a conversar.
Leia também
• Lula se encontra com neto de Fidel Castro em evento do PT, em Brasília
• Lula cobra PT para empenho na eleição de maioria dos senadores em 2026
• Apoiadores de Bolsonaro fazem ato no Recife com críticas ao STF e ao governo Lula
O Congresso retoma os trabalhos nesta segunda-feira e há possibilidade do presidente da República chamar os chefes das duas casas legislativas para uma reunião em breve. Desde 25 de junho, data em que o aumento do IOF foi derrubado, Lula não se encontrou pessoalmente com Motta e Alcolumbre. De lá para cá, o tarifaço anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre produtos brasileiros também ajudou a mudar as prioridades de governo e Congresso.
— Duas coisas cooperaram para melhorar a imagem do governo: a narrativa do rico contra o pobre e o Trump, com seu tarifaço. Naturalmente, o que pode ajudar o governo no Congresso é o distensionamento entre as partes. O inimigo externo já alinha Congresso e governo. A maré é favorável — afirmou o líder do PDT, Mário Heringer (MG), partido que deixou oficialmente a base governista na Câmara depois de sucessivos desgastes com o Planalto.
Em reação à derrubada do IOF, governo e PT passaram a defender a taxação dos super-ricos, criando desconforto entre congressistas contrários à iniciativa. Em um movimento simultâneo, perfis de esquerda simpáticos ao governo iniciaram ataques diretos a Hugo Motta.
Caso seja chamado por Lula, o presidente da Câmara não se furtará a encontrar o presidente. Ele tem dito a pessoas próximas, no entanto, que isso não significará alinhamento com as pautas a serem encaminhadas pelo governo à Câmara. Sua diretriz é se projetar como um parlamentar de “centro” e isso significa que ora poderá dar razão à oposição, ora à situação.
A prioridade do governo neste semestre será elevar a isenção do Imposto de Renda para até R$ 5 mil mensais, proposta que ainda precisa passar pelos plenários da Câmara e do Senado, mas que tende a ter o apoio de partidos do centrão.
— Independente da popularidade do governo, nos próximos meses estamos comprometidos em avançar em pautas positivas, como a isenção do imposto — avalia o líder do Republicanos na Câmara, Gilberto Abramo (MG).
Auxiliares dizem que o veto de Lula ao projeto que aumentaria de 513 para 531 o número de deputados também fez parte da reação à tentativa de derrubar a elevação do IOF. Pesquisas internas mostravam que a iniciativa era rejeitada pela população. Mesmo assim, setores do governo eram contra o veto porque entendiam que isso criaria mais conflito com o Congresso. Mas, segundo um aliado, o presidente da República quis mostrar que, se a cúpula do Legislativo optar pelo conflito, enfrentará reação.
Durante o período de conflito aberto com o Congresso, o Planalto fez gestos em direção ao Senado ao permitir a indicação de nomes para agências reguladoras por parte de parlamentares da Casa. As negociações foram encabeçadas diretamente por Alcolumbre e permitiram que as sabatinas dos indicados fossem marcadas para agosto.
— Este ano tem sido tenso e, ano que vem, vamos entrar em um ano eleitoral ainda mais tenso e complexo. O equilíbrio depende muito dos presidentes das Casas. Eles são pacificadores. Mas Hugo tem mais dificuldades pela quantidade de parlamentares e opiniões diversas. Eu gostaria que não, mas a tendência é piorar o tensionamento com a reabertura dos trabalhos — considera o vice-líder do governo no Senado, Otto Alencar (PSD-BA).
Um ministro de Lula vê espaço para recompor a relação entre os chefes dos Poderes, mas admite que, a partir de agora até novembro de 2026, não haverá “nada fácil” para Lula na política. Aliados entendem que, pela forma como se deu a votação do projeto que anulou a elevação do IOF, não restava a Lula outra opção a não ser reagir. Caso não desse uma resposta, o presidente ficaria acuado diante do Legislativo, que poderia se encorajar a tomar outras iniciativas que prejudicassem o governo.
Para uma pessoa do entorno de Lula, houve uma tentativa de “dilmizar” o atual presidente, numa referência às seguidas derrotas impostas pelo Congresso à ex-presidente Dilma Rousseff, que culminaram com o seu impeachment em 2016.
Entre as derrotas sofridas por Dilma no Congresso, estão a implantação do Orçamento impositivo, que tirou do governo o controle sobre o cronograma de liberação de emendas parlamentares, e a Emenda à Constituição conhecida com “PEC da bengala”, que aumentou de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) — assim, impediu a então presidente o direito de indicar novos membros da Corte. A conclusão consolidada no PT é que a então presidente não soube reagir e mostrou uma fragilidade, que animou seus adversários no Congresso.
Lula agora não poderia repetir esse script. Por isso, antes de buscar o diálogo com Motta e Alcolumbre, o presidente precisava mostrar que sabia guerrear e estava disposto a fazê-lo se necessário fosse.
O que mais irritou o presidente no caso do IOF foi a forma com que o projeto que derrubou o aumento foi pautado. Motta só avisou que levaria o tema a plenário na véspera, perto da meia-noite. Lula reagiu e disse, em uma entrevista dias depois, que houve “descumprimento de um acordo” e ainda afirmou que considerou a decisão do presidente da Câmara “absurda”.
A reação do governo também envolveu a ida ao STF para contestar o poder do Congresso de barrar a elevação do tributo. A judicialização foi vista como um gesto que poderia tensionar ainda mais a crise entre os poderes. Mesmo assim, Lula bancou a iniciativa. Justificou que se não fosse ao STF “não governaria mais o país”.
— Cada macaco no seu galho. Ele legisla, e eu governo — disse, na época.
No dia 16, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, decidiu manter a maior parte do decreto do governo que aumentou o IOF. Revogou apenas a cobrança das operações de risco sacado, que é uma espécie de antecipação de pagamento de varejistas aos fornecedores, intermediada pelos bancos, mediante cobrança de taxas.

