Os desafios de Lula no início do Governo
Após tomar posse, novo presidente vai precisar agilizar ações para garantir promessas de campanha
"Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente"
E foi assim, mais ou menos guiado por versos do português Fernando Pessoa, que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu no último domingo (1º) seu terceiro mandato como presidente da República, tendo pela frente desafios que nasceram com a campanha, tomaram forma a partir do resultado do segundo turno das eleições e se avantajam aos olhos de cientistas políticos.
Garantir a governabilidade, reduzir as desigualdades, tirar mais uma vez o Brasil do mapa da fome e trazer novas perspectivas à vida dos 207,7 milhões de brasileiros estão entre os compromissos do petista, que obteve, no dia 30 de outubro, 60.345.999 votos (50,90% dos votos válidos).
"O novo presidente inicia o mandato com um povo dividido, mas mudar a opinião do eleitor brasileiro a seu favor não é difícil. Tudo dependerá da condução socioeconômica que adotar", comenta a advogada e mestra em Ciência Política e Relações Internacionais Andréa Tavares.
Para a doutora em Ciência Política Priscila Lapa, o segredo será entregar, em curto prazo, medidas que exerçam impacto imediato, principalmente nos setores historicamente desfavorecidos. "Isso será importante para que as pessoas tenham um pouco de alívio e alguma esperança", acredita, apostando que o "clima esperançoso" impulsione a realização de outras ações.
Esvaziamento
Priscila Lapa lembra que ciência e tecnologia, por exemplo, é um dos setores que sofreram esvaziamento de agenda e de financiamento nos últimos anos. "Essas áreas precisam ser acalentadas com gestos que representem algum tipo de recuperação. É desafio fazer com que, em curto prazo, as pessoas ganhem confiança no governo", alerta.
Alvo do que a cientista política chama de "desmanche", a cultura deve ser outra prioridade e o presidente eleito já sinalizou com a recriação do ministério. "Há uma esperança muito forte no setor de acenos e de medidas concretas de recuperação"
Lula governará com um Congresso bolsonarista em sua maioria. Das 513 cadeiras na Câmara, 273 são ocupadas pelos partidos de centro-direita, sendo 99 do PL, partido do futuro ex-presidente. No Senado, dos 81 parlamentares, 13 são do PL.
Programas sociais
Mas o presidente eleito, conhecido pelo perfil articulador, conseguiu aprovar a PEC da Transição antes mesmo de tomar posse, o que vai possibilitar, entre outras ações, pagamento de R$ 600 do Bolsa Família, reajuste do salário mínimo acima da inflação, aumento aos servidores públicos e a garantia de programas sociais robustos, como o Farmácia Popular e Minha Casa Minha Vida.
"O novo governo também vai conseguir ofertar crédito à população para o consumo. A aprovação da PEC oferece condições ao futuro presidente para conquistar popularidade", analisa o cientista político Adriano Oliveira
Para Adriano Oliveira, também professor da Universidade Federal de Pernambuco, a limitação do tempo de validade da PEC em um ano exigirá a manutenção do diálogo entre o Governo e o Congresso. "Artur Lira (presidente da Câmara e candidato à reeleição) não terá mais poder do que Lula, Lira sabe que sua reeleição também depende de Lula. Portanto, não existem incentivos para confrontar o presidente eleito. A cooperação é estratégia ótima para ambos os atores", avalia.
A também professora, no Centro Universitário Metropolitano de São Paulo (FIG-Unimesp), Andréa Tavares nem acredita que a governabilidade seja o maior dos entraves. "Lula se mostra aberto ao diálogo e nem todos os deputados e senadores eleitos são radicais", pontua.
Controle da inflação
Na opinião dela, obstáculo maior são as questões econômicas, como controlar a inflação e gerar empregos, além de manter o teto do ICMS sobre o combustível, ponto de divergência com a maioria dos governantes estaduais que já pressionam pelo fim do limite.
"Terá sempre que lançar mão do perfil forjado pelo diálogo, mas precisará ser criativo e articulador para mostrar respostas nos primeiros meses de governo e, assim, ganhar a confiança dos brasileiros que não chancelaram sua volta, bem como manter o apoio dos que o elegeram. A meta não é alcançar a unanimidade, mas a governabilidade e o enfrentamento dos desafios atuais" reforça Andréa Tavares.
Tanto quanto negociar com os governadores, acredita a cientista política Priscila Lapa, Lula precisa restaurar as bases de políticas públicas para grupos sociais que ficaram sem diálogo nos últimos quatro anos do Governo Bolsonaro.
"O futuro presidente deverá criar uma percepção coletiva de Governo mais inclusivo, mais preocupado com as diferenças, com mais capacidade de governar para um número mais amplo de pessoas que não sejam apenas suas apoiadoras", aposta.
E como registra Fernando Pessoa em dois momentos, ainda no poema O mais é nada "Sonhe com as estrelas, apenas sonhe, elas só podem brilhar no céu" (...). "Persiga um sonho, mas, não o deixe viver sozinho".

