Pedido de vista adia votação do PL que reduz pena de Bolsonaro, projeto deve avançar nesta quarta
Relatório de Esperidião Amin restringe efeitos ao 8 de janeiro; correlação de forças indica maioria favorável na CCJ e articulação para votação no plenário do Senado
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado adiou temporariamente nesta quarta-feira a votação do Projeto de Lei da Dosimetria após a concessão de um pedido de vista por quatro horas ao relatório do senador Esperidião Amin. O texto altera regras de dosimetria penal e reduz a pena do ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado pelo Supremo Tribunal Federal por crimes relacionados à tentativa de golpe de Estado. A votação do projeto deve ocorrer ainda hoje no colegiado e no plenário do Senado.
O parecer restringe expressamente os efeitos da proposta aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 e sustenta que a mudança não configura alteração de mérito, mas uma correção redacional. Isso abriria caminho para que o texto siga diretamente ao plenário do Senado, sem necessidade de retornar à Câmara dos Deputados. O presidente da CCJ, Otto Alencar (PSD-BA), no entanto, afirmou que rejeita a alteração como “emenda de redação”.
O adiamento, no entanto, deve ser curto. Com a vista concedida por quatro horas, a expectativa entre senadores envolvidos na negociação é de que o relatório seja votado ainda nesta quarta-feira na CCJ e, na sequência, levado ao plenário da Casa, antes do recesso legislativo.
O projeto modifica critérios da chamada dosimetria penal — etapa em que o Judiciário define o tamanho da pena após a condenação — ao alterar regras sobre concurso de crimes e progressão de regime. Bolsonaro foi condenado por crimes como tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, enquadrados no mesmo contexto fático dos atos de 8 de janeiro. Por isso, mesmo com a restrição adotada no Senado, ele permanece dentro do escopo da proposta.
Pelos cálculos apresentados durante a tramitação, a mudança pode reduzir de forma significativa o tempo de prisão em regime fechado do ex-presidente. Atualmente, Bolsonaro teria de cumprir 5 anos e 11 meses nesse regime. Com o novo cálculo previsto no projeto, esse período cairia para 3 anos e 3 meses, o que permitiria sua saída da prisão, no máximo, no início de 2029. Segundo estimativas apresentadas na Câmara, a redução pode ser ainda maior, chegando a 2 anos e 3 meses em regime fechado, a depender da aplicação dos critérios legais.
O relatório de Amin propõe restringir expressamente os efeitos do projeto aos crimes cometidos no contexto do 8 de janeiro e sustenta que a alteração não muda o mérito do texto aprovado pela Câmara, mas corrige uma redação considerada imprecisa. Com esse enquadramento, o relator busca evitar que a proposta tenha de retornar à Casa vizinha, o que poderia empurrar a tramitação para 2026.
No parecer, Amin acolheu apenas a emenda apresentada pelo senador Sergio Moro, classificada como emenda de redação. O argumento é que a modificação apenas explicita a intenção original do legislador. As demais emendas foram rejeitadas sob o entendimento de que representariam alterações de mérito capazes de atrasar ou inviabilizar a tramitação neste ano.
Apesar do pedido de vista, o ambiente político na CCJ é de que o relatório reúne apoio suficiente para ser aprovado após a retomada da votação. Essa leitura é reforçada pelo resultado das deliberações preliminares realizadas mais cedo na comissão. Antes mesmo da leitura do parecer, os senadores rejeitaram três requerimentos que buscavam adiar a análise do projeto. As propostas foram derrotadas por 15 votos contrários, em um placar visto nos bastidores como um indicativo claro da correlação de forças no colegiado.
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Os votos favoráveis ao adiamento partiram principalmente de senadores do PT, do PSB, do PSD e do MDB, enquanto a maioria formada por parlamentares da oposição e do centro optou por levar o debate adiante. O resultado funcionou como um termômetro para a votação do mérito, sinalizando que, mesmo diante das resistências, há maioria disposta a aprovar o relatório.
Chamou atenção, nesse contexto, o posicionamento do ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco, que votou contra o adiamento. Em pronunciamento na comissão, Pacheco defendeu a necessidade de correção legislativa para garantir proporcionalidade nas penas aplicadas aos atos de 8 de janeiro, ao diferenciar líderes e financiadores dos participantes que atuaram sem poder de comando.
— Não é esse sentimento que deve guiar o legislador. Não pode ser o sentimento de vingança. É preciso reconhecer que quem liderou uma tentativa de golpe não pode receber o mesmo tratamento penal de quem, influenciado por uma multidão em tumulto, participou sem comando ou financiamento — afirmou.
Antes do início das votações, o presidente da CCJ, Otto Alencar, também se manifestou para explicar a condução da matéria. Pessoalmente contrário ao projeto, Alencar disse que decidiu pautar o texto em respeito ao rito e às decisões da maioria do Senado. Segundo ele, a proposta já havia sido incluída na ordem do dia do plenário pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre, ainda que sem seu apoio.
— Quarta-feira é dia de Senado Federal. O presidente Davi Alcolumbre colocou essa matéria na ordem do dia do plenário. Eu discordei, mas esta é uma Casa de decisões coletivas, por maioria. Por isso, pautei a matéria hoje para ser apreciada na Comissão de Constituição e Justiça — disse Alencar.
Com o fim do prazo de vista, a expectativa é de que o relatório seja votado ainda nesta quarta-feira na CCJ. Caso aprovado, o projeto ficará apto a seguir diretamente para o plenário do Senado no mesmo dia, como defende Alcolumbre. Mesmo se aprovado pelo Congresso, o texto ainda dependerá de sanção presidencial, e o governo já sinalizou a possibilidade de veto.
Entenda o projeto, segundo o relatório
• Alcance: aplicação restrita exclusivamente aos condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023.
• Progressão de regime: altera percentuais previstos na Lei de Execução Penal, permitindo progressão com 16% da pena cumprida para réus primários em casos ligados aos crimes contra o Estado Democrático de Direito.
• Concurso de crimes: estabelece regra para evitar a soma automática de penas em crimes praticados no mesmo contexto fático, privilegiando a pena mais grave com acréscimos proporcionais.
• Redução para não líderes: cria hipótese de redução de pena para participantes que não exerceram liderança nem financiaram os atos.
• Natureza da mudança: o relator sustenta que se trata de correção redacional, sem alteração de mérito, o que dispensaria o retorno do projeto à Câmara.

