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Política

Steven Levitsky: 'Não é momento para neutralidade'

Autor do livro "Como As Democracias Morrem", Levitsky concedeu entrevista exclusiva e analisou a polarização das eleições presidenciais deste ano

Steven LevitskySteven Levitsky - Foto: Suamy Beydoun/Agif/Folhapress

Cientista político e professor da Universidade de Harvard, Steven Levitsky vem se dedicando ao estudo da América Latina e ao que convencionou chamar “regimes autoritários competitivos”, em que líderes autoritários chegam ao poder por meio do voto popular. Seu mais recente livro "Como As Democracias Morrem", escrito em parceria com Daniel Ziblatt, figura como o mais vendido no site brasileiro da Amazon e na lista da revista Veja. Levitsky concedeu à Folha de Pernambuco essa entrevista exclusiva, em que analisa a polarização das eleições presidenciais e externa sua preocupação com o futuro da Democracia brasileira. Confira.

Folha de Pernambuco: O atual cenário eleitoral no Brasil se assemelha ao que aconteceu na década de 1920 com Giovani Gillette, na Itália, e Von Papen, na Alemanha; nos anos 90 com Raul Caldera, na Venezuela; e, mais recentemente, com os republicanos, nos Estados Unidos, como o senhor mencionou em sua palestra sobre o livro "Como as Democracias Morrem" realizado no Instituto Fernando Henrique Cardoso, em agosto?

Steven Levitsky: Sim, embora, eu deva dizer que não acho que haja no Brasil um perigo do tipo de fascismo violento que vimos na Itália ou na Alemanha - não estou dizendo que o Brasil está às vésperas do fascismo, isso seria um exagero. Mas estamos vendo exatamente o mesmo erro histórico cometido pelas forças do establishment nos quatro países que você mencionou, em particular nos Estados Unidos, Alemanha e Itália, onde a Direita, num momento de medo, abraçou um extremista autoritário que prometeu derrotar a Esquerda. Acho que o fracasso em defender a democracia contra os extremistas autoritários é, insisto, um erro histórico.

FP: A neutralidade de importantes líderes políticos, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, é um erro histórico?

SL: Eu com certeza acho um erro histórico. Cardoso deixou a porta aberta para endossar Haddad, mas, depois, pediu que o PT fizesse mais concessões. E, para ser claro, acho que o PT também tem responsabilidade pelo que está acontecendo, quando se mostra insuficientemente disposto a reconhecer e não repetir erros do passado, e a fazer concessões (ainda que) dramáticas, mas necessárias, para a construção de uma ampla frente democrática. É essencial que todos os defensores da democracia se unam contra um extremista autoritário e aqueles que declararam sua neutralidade estão deixando de fazer isso. Não é momento para a neutralidade: não se defende a Democracia com neutralidade.

FP: Considerando que estamos a sete dias do 2º turno das eleições, ainda há tempo para construir essa frente em defesa da Democracia?

SL: Está ficando muito tarde. Cientistas políticos (como eu) são notoriamente ruins em fazer previsões, mas os brasileiros estão perdendo tempo e se há alguma chance, qualquer chance, de defender as instituições democráticas, essa frente democrática deve ser formada imediatamente.

FP: As instituições democráticas brasileiras estão maduras o suficiente para resistir a um governo com tendências totalitaristas?

SL: Eu preciso ser claro: acho que Bolsonaro é uma figura muito autoritária. Ele é mais abertamente autoritário do que Erdogan, (presidente) da Turquia; mais autoritário do que Viktor Orban, (primeiro-ministro) da Hungria; talvez mais autoritário, na sua campanha, do que Duterte, (presidente) das Filipinas. É mais autoritário do que Hugo Chaves, quando concorreu à presidência da Venezuela; do que Correa (ex-presidente do Equador); do que Morales, (presidente da Bolívia). Ele (Bolsonaro) é uma figura muito, muito autoritária, que muito provavelmente atacaria as instituições democráticas e, sobretudo, os direitos civis e humanos básicos das minorias vulneráveis no Brasil, direitos pelos quais os brasileiros lutaram para alcançar, e vêm defendendo nos últimos 30 ou 40 anos. Um ataque a esses direitos seria trágico.

As instituições democráticas brasileiras estão mais fortes do que nunca na história do País; são mais fortes que as de muitos outros países da América Latina. Mas se você olhar hoje para as pesquisas (de intenção de voto); se olhar para a força política que o Bolsonaro provavelmente terá no Congresso, o cenário é preocupante. Se as instituições democráticas brasileiras estão maduras o suficiente para sobreviver a esse ataque? Não sabemos - e eu preferiria não correr o risco.

FP: Na sua opinião, a cobertura da mídia brasileira sobre a Operação Lava Jato teve um papel significativo na construção deste atual cenário de polarização?

SL: É difícil para mim opinar, porque não acompanhei regularmente a mídia brasileira nesse período, apenas mais recentemente passei a fazê-lo. Mas eu diria que ninguém duvida de que houve uma enorme corrupção e de que a Lava Jato foi um verdadeiro escândalo - e a maior parte da mídia brasileira tem feito seu trabalho de informar os cidadãos sobre isso, a despeito das críticas de que é muito concentrada ou de que tem essa ou aquela inclinação política. Em última análise, a culpa por esta crise está nas mãos dos políticos brasileiros, não da mídia que a cobriu.

FP: O fato do conteúdo jornalístico on-line ser pago estimula o consumo de fake news por meio das redes sociais?

SL: Com certeza. As fake news e os efeitos das mídias sociais nas campanhas (eleitorais) tiveram um papel na desinformação dos cidadãos e nos pegaram de surpresa, (na eleição de Trump) nos Estados Unidos - e algo muito semelhante está acontecendo agora no Brasil. É algo claramente capaz de tomar ainda mais polarizadas situações de polarização, como a dos Estados Unidos, em 2016, ou do Brasil, hoje. Isso é muito perigoso para a Democracia e é um grande desafio com o qual teremos que aprender a lidar. Esse é um fenômeno, cujos efeitos estamos apenas começando a entender e começando a aprender a responder.

FP: Que importância você atribui à notícia falsa nessas eleições?

SL: Eu não tive acesso a dados de quaisquer estudos empíricos, então é difícil para mim opinar, mas apesar de exacerbarem o problema, as notícias falsas e o abuso da mídia social não criaram a polarização que o Brasil enfrenta hoje. As fake news não inventaram Bolsonaro, não inventaram o apoio a Bolsonaro; não colocaram Bolsonaro e o PT no segundo turno. Embora as fake news sejam uma questão importante, não devemos nos deixar desviar da causa fundamental da real polarização e da ameaça subjacente à democracia e à própria sociedade brasileira.

FP: Qual o papel do Judiciário numas eleições como estas?

SL: Sempre que houver no Estado abuso de poder e corrupção, o Judiciário será um ator central, e o judiciário brasileiro ficou muito mais forte, muito mais independente e muito mais eficaz nos últimos anos - e esse é um papel muito importante. Eu diria, de maneira geral, que o judiciário brasileiro desempenhou um papel extremamente positivo ao começar a punir seriamente o abuso de poder. Na maior parte da história da América Latina, não se viu políticos e empresários poderosos, os presidentes do Executivo e do Legislativo e alguns dos homens mais ricos do País, irem para a prisão. Eu sei que há muito debate no Brasil sobre o conservadorismo e o suposto protagonismo do Judiciário, mas em termos do sucesso da Democracia no longo prazo, é melhor ter um Judiciário forte do que fraco.



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