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Justiça

STF: Veja no que Fux divergiu de Moraes e Dino no julgamento da trama golpista

Ministro contestou decisões anteriores da Corte, afastou acusações centrais contra réus e defendeu limites mais estreitos para a aplicação de tipos penais

Os ministros do STF na sessão do núcleo 4 da trama golpista: Flávio Dino, Alexandre de Moraes e Luiz Fux Os ministros do STF na sessão do núcleo 4 da trama golpista: Flávio Dino, Alexandre de Moraes e Luiz Fux  - Foto: Reprodução

Terceiro a votar na ação penal da trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Fux abriu uma série de divergências em relação aos votos de Alexandre de Moraes, relator do caso, e de Flávio Dino, na sessão deta quarta-feira.

As discordâncias se deram em temas como a competência da Corte para julgar os réus, o acesso das defesas às provas e até a caracterização de crimes como organização criminosa, abolição do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Embora seja o único ministros a indicar até aqui ser um contraponto a Moraes no julamento, as divergências podem abrir caminho para recursos das defesas no futuro. Também podem afetar o cálculo final da pena em caso de condenação.

Enquanto Moraes e Dino sustentam a soma de diferentes crimes, Fux tende a defender penas menores.

1) Foro privilegiado
O debate começou pelas preliminares. Moraes e Dino defendem que o STF é competente para julgar todos os casos ligados ao 8 de janeiro, inclusive de ex-autoridades.

Fux retomou o entendimento restritivo, segundo o qual apenas quem estava no cargo à época dos fatos teria foro.

O que disse Fux:
O ministro se manifestou para anular o processo como um todo, com base no entendimento de que o caso não deveria tramitar na Corte por julgar réus sem a prerrogativa do foro privilegiado.

O posicionamento ocorreu em relação aos pontos preliminares do julgamento, ainda sem a análise do mérito da ação.

Advogados de réus na ação penal alegam que a ação deveria tramitar na primeira instância. O STF já definiu, no entanto, que a atribuição de julgar os casos relativos ao 8 de janeiro é a Corte.

Além disso, a tese definida pelo Supremo em março deste ano determina que o foro continua na Corte "ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício".

Esses são os casos do ex-presidente Jair Bolsonaro e de réus que eram ministros à época dos episódios alvos da acusação. Cabe ao STF julgar presidente, ministros e parlamentares, por exemplo.

— Nós não estamos julgando pessoas com prerrogativa de foro. Estamos julgando pessoas que não têm prerrogativa de foro — disse Fux.

— O Supremo Tribunal Federal mudou a competência depois da data dos crimes (...). A aplicação da tese mais recente para manter esta ação no Supremo, muito depois da prática de crimes, gera questionamentos não só sobre casuísmos, mas ofende o princípio do juiz natural e da segurança jurídica — completou.

Os demais ministros:
No seu voto, Moraes lembrou que a tese já foi votada pela Corte em outras ações, inclusive com aval de Fux no passado.

Em 2023, ao iniciar o julgamento das ações penais do 8 de janeiro, a maioria do STF entendeu que todos os casos relacionados aos atos antidemocráticos deveriam ser julgados pela Corte.

Na época, Fux acompanhou esse entendimento, que foi mantido na análise de mais de 1.400 ações já julgadas pelos ministros relacionados aos ataques às sedes dos Três Poderes.

Além disso, a tese definida pelo Supremo em março deste ano determina que o foro continua na Corte "ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício".

Esses são os casos do ex-presidente Jair Bolsonaro e de réus que eram ministros à época dos episódios alvos da acusação.

— Todas as preliminares a que me referi até o momento foram votadas por unanimidade, inclusive com o voto de vossa excelência — disse Moraes

2) Plenário x Primeira Turma
Outro ponto de divergência foi sobre o colegiado. Pelo regimento atual, ações penais tramitam nas Turmas, mas Fux defendeu que, por envolver um ex-presidente, o caso deveria ser analisado pelo plenário completo.

Fux, porém, afirmou que restringir a análise à Turma “rebaixa a competência do tribunal e silencia ministros que também deveriam se pronunciar”. Moraes, ao contrário, sustentou a aplicação da regra vigente desde 2023, que devolveu às Turmas o julgamento de ações criminais.

O que disse Fux:
O ministro argumentou que, no caso de o julgamento ocorrer mesmo no Supremo, deveria ser no plenário, não na Primeira Turma.

Para o magistrado, como o ex-presidente Bolsonaro responde a processo por atos praticados durante o mandato, a competência para analisar ações penais contra presidentes da República é do Plenário.

O regimento da Corte, no entanto, estabelece que cabe às Turmas o julgamento das ações penais.

— Se (Bolsonaro) está sendo julgado como presidente, esta ação deveria se iniciar no plenário do Supremo Tribunal Federal.

—Restringir a análise à Turma rebaixa a competência do Tribunal e silencia ministros que também deveriam se pronunciar.

Os demais ministros:
Moraes, nesse ponto, seguiu a regra do regimento e não viu necessidade de revisão. Esse questão também já foi analisado pela Primeira Turma em fases anteriores do processo, como no momento do recebimento da denúncia feita pela PGR.

A maioria dos ministros reafirmou o que diz o Regimento Interno da Corte, que em 2023 restabeleceu a competência das Turmas para processar e julgar ações penais.

O argumento citado à época foi o de promovere uma redução na sobrecarga de julgamentos sob responsabilidade do plenário.

Originalmente, a competência para julgar ações penais era do plenário. O congestionamento da pauta na época da análise do Mensalão, julgado entre 2007 e 2013, motivou o deslocamento para as Turmas, em 2014, como forma de possibilitar a resolução das ações criminais no menor tempo possível.

Ao assumir o comando do STF, contudo, o ministro Luís Roberto Barroso propôs retomar a regra antiga, sendo acompanhado pela maioria dos colegas.

A proposta foi acolhida em dezembro de 2023, pelo placar de 10 a 1. O único a divergir na ocasião foi Fux.

3) Acesso às provas: o “tsunami de dados”
As defesas alegaram que receberam 70 terabytes de dados para analisar, sem organização mínima, o que teria prejudicado sua atuação.

Para Fux, houve violação ao contraditório e à ampla defesa, uma vez que os advogados receberam uma grande quantidade de dados sem prazo razoável para analisá-los e preparar a defesa dos réus.

O que disse Fux:
O ministro concordou com a reclamação da defesa sobre pouco tempo para analisar os dados.

— Foi exatamente nesse contexto que as defesas alegaram cerceamento de defesa, em razão dessa disponibilidade tardia, que apelidei de um tsunami de dados (...). Para exercer o seu direito à autodefesa, o acusado precisa conhecer plenamente todas as provas produzidas contra si ou a seu favor. O devido processo legal vale para todos.

Os demais ministros:
Moraes rejeitou a tese e disse que foram meses para a análise. Em julgamentos anteriores, a maioria da Primeira Turma já rejeitou essa reclamação das defesas. Moraes, relator da ação penal, argumenta que todos os advogados tiveram acesso amplo e total aos elementos de prova.

No julgamento em que o colegiado aceitou a denúncia, por exemplo, o relator apresentou ainda documento que lista cada acesso dos advogados de cada investigado ao processo, o que comprova que não houve cerceamento de defesa.

Ao analisar o pedido na sessão de terça-feira, Moraes voltou a rebater os argumentos sobre falta de acesso às provas.

Ele citou que as equipes de defesas tiveram quatro meses para acessar todo o material apreendido pela Polícia Federal, incluindo elementos que não haviam sido juntados na denúncias, mas que não apresentaram nenhum item novo que pudesse comprovar a tese de que não tiveram acesso.

— Não foi juntado um único print, uma única gravação, um único documento importante ou pertinente. São oito equipes de advogados que, em quase quatro meses, ficaram com todas as provas que elas mesmas pediram. E nada de pertinente foi apresentado.

4) Suspensão da ação contra Ramagem
O deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) teve parte do processo suspensa pela Câmara dos Deputados, mas só em relação a crimes supostamente cometidos após sua diplomação.

O que disse Fux:
O ministro aceitou pedido da defesa de Ramagem para que a análise da acusação sobre organização criminosa contra o parlamentar seja suspensa em parte.

— Suspender a ação penal em relação a esse réu, e a respectiva prescrição, evidentemente, em relação aos crimes de dano qualificado (...). E também suspender in totum esta ação penal e a respectiva prescrição em relação ao crime de organização criminosa e os demais.

Os demais ministros:
Moraes lembrou que a Turma já aplicou os limites constitucionais e manteve em julgamento as acusações de tentativa de golpe e abolição do Estado de Direito.

Por unanimidade, a Primeira Turma do STF decidiu suspender parte da ação penal contra Ramagem na trama golpista.

Os ministros aceitaram parcialmente uma deliberação da Câmara para paralisar o julgamento contra o deputado, com base no artigo 53 da Constituição, que trata sobre a imunidade parlamentar.

Por unanimidade, a Primeira Turma do STF decidiu suspender parte da ação penal contra Ramagem na trama golpista.

Os ministros aceitaram parcialmente uma deliberação da Câmara para paralisar o julgamento contra o deputado, com base no artigo 53 da Constituição, que trata sobre a imunidade parlamentar.

O STF, porém, argumentou que o instrumento só era válido para os crimes cometidos após a diplomação do deputado, em novembro de 2022.

Assim, a ação foi suspensa nos casos dos crimes supostamente praticados nos atos golpistas do 8 de janeiro de 2023: deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da União.

Ramagem, contudo, continua a ter suas condutas analisadas em relação a tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e envolvimento em organização criminosa armada.

5) Organização criminosa
A Procuradoria-Geral da República denunciou Bolsonaro e aliados por integrarem uma organização criminosa armada.

O que disse Fux:
O magistrado argumentou que o crime de organização criminosa se caracteriza apenas se há provas de que os réus têm o objetivo de ficar associados para a prática de novos crimes, por tempo indeterminado.

O ministro defendeu que não basta apenas a reunião de quatro pessoas ou mais para o cometimento de um crime “específico” para configurar o crime de organização criminosa.

Segundo ele, é preciso ter “estabilidade, permanência e intenção" de cometer delitos futuros — o que ele não viu na ação dos denunciados.

— A acusação não indicou a presença dos elementares do tipo penal, tampouco o efetivo emprego de arma de fogo. O que se descreveu foi concurso de pessoas para delitos específicos, sem estabilidade e permanência — disse

Os demais ministros:
Durante seu voto, também na terça, Moraes afirmou que Bolsonaro liderou a organização criminosa que tentou um golpe de Estado após a vitória do presidente Lula na eleição de 2022. Moraes afirmou durante o julgamento que a organização criminosa praticou "atos executórios", entre 2021 e 2023, destinados a atentar contra a democracia.

Moraes destacou que houve uma preparação "violentíssima" para uma tentativa de perpetuação no poder a "qualquer custo". Segundo ele, as ações resultaram nos atos de 8 de janeiro, que não foram "combustão espontânea".

— O réu Jair Messias Bolsonaro exerceu a função de líder da estrutura criminosa e recebeu ampla contribuição de integrantes do governo federal e das Forças Armadas, utilizando-se da estrutura do Estado brasileiro para implementação de seu projeto autoritário de poder, conforme fartamente demonstrado nos autos — disse Moraes.

— Jair Messias Bolsonaro foi fundamental para reunir indivíduos de extrema confiança, do alto escalão do governo federal, que integravam o núcleo centro núcleo central da organização criminosa.

Dino acompanhou a mesma linha, afirmando que “houve atos executórios” e que a organização criminosa se manifestou entre 2021 e 2023.

6) Dano qualificado x dano a bem tombado
A denúncia apontou crimes de dano qualificado (Código Penal) e de deterioração de patrimônio tombado (lei ambiental) em decorrência dos atos de vandalismo ocorridos em 8 de Janeiro de 2023 na Praça dos Três Poderes.

Fux considera que não ficou comprovada a responsabilidade e autoria de cada acusado.

Ele afirmou que não há provas de omissão dos réus contra a depredação, e ressaltou uma mensagem do ex-ministro Anderson Torres, então secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, dizendo para que não deixassem que os manifestantes golpistas chegassem ao STF.

O que disse Fux:
— O contexto de um evento multitudinário (relativo a multidões, como o caso do 8/1), embora dispense um detalhado, exagerado, exame da conduta de cada réu, ele não desobriga o órgão acusatório em estabelecer um liame (vínculo) mínimo entre cada acusado e o ato ilícito. E esse vínculo não foi demonstrado — afirmou Fux.

— Não há prova nos autos de que os réus tenham ordenado a destruição e depois se omitido. Pelo contrário, há evidências de que, assim que a destruição começou, um dos réus tomou medidas para evitar que o edifício do Supremo fosse invadido pelos vândalos. Que eu atestei pela prova dos autos que o réu Anderson Torres assim agiu.

Os demais ministros:
Moraes manteve os danos no rol das acusações, reforçando que houve destruição concreta de patrimônio público e tombado, com prejuízos superiores a R$ 20 milhões, vinculados diretamente aos acusados.

7) Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
O crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito está previsto no Código Penal para punir tentativas de suprimir ou restringir o funcionamento dos Poderes constituídos. A PGR incluiu nessa acusação discursos de Jair Bolsonaro e entrevistas em que ele atacava ministros do Supremo e questionava o sistema eleitoral.

Fux rejeitou esse enquadramento. Para ele, falas e bravatas políticas, ainda que duras ou reprováveis, não configuram tentativa de abolição do regime democrático, que exige atos concretos de deposição do governo legitimamente eleito.

O que disse Fux:

— Não se pode admitir que possam configurar tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito discurso ou entrevista, ainda que contenham rudes acusações aos membros de outros poderes. Muito menos podem ser criminalizadas por aplicação de petições ao Judiciário contendo questionamentos ao sistema eleitoral.

O ministro reforçou que a lei não prevê punição para o que chamou de “bravatas”:

— Não constitui crime previsto neste título (abolição violenta) a manifestação crítica aos Poderes constitucionais. Afastando qualquer pretensão de punir como atentados ao Estado Democrático bravatas, como foi dito aqui no interrogatório. Bravatas proferidas por agentes políticos contra membros de outros Poderes, ainda que extremamente reprováveis.

Os demais ministros:

Moraes, em sentido oposto, votou pela condenação nesse ponto. Para ele, a preparação golpista foi “violentíssima” e não se tratou de discursos isolados, mas de uma trama organizada para restringir o funcionamento das instituições democráticas.

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