Chef Rodrigo Oliveira é o Sertão fora do Nordeste
O criador do dadinho de tapioca fala sobre tradição e inovação na cozinha do seu restaurante Mocotó
Os pratos do chef Rodrigo Oliveira são uma ode à cozinha de raiz. Em seu principal restaurante, o Mocotó, na Zona Norte de São Paulo, e no elogiado Balaio, na avenida Paulista, ele constrói e reconstrói suas referências sertanejas vindas do Interior de Pernambuco. Essência que faz o criador dos famosos dadinhos de tapioca ter consistência nos trabalhos da marca Mocotó, que existe desde a década de 1970 pelas mãos do seu pai José de Almeida - pernambucano de Mulungu. Daí, veio a operação de cafeterias, um livro sobre a família e projetos que não ficaram apenas no Sudeste. Eis um cozinheiro transformador da tradição, numa entrevista concedida durante sua passagem pelo restaurante Oleiro, na Zona Norte do Recife.
Como acontece sua relação com Pernambuco e o que você mais lembra quando está em São Paulo?
Essa relação forte com o Estado veio principalmente com os meus pais e o lugar onde moravam. Meu pai é de Mulungu, distrito de Sanharó, então nossa rotina sempre foi desembarcar no Recife e ir direto para o Sertão. Eram três horas de São Paulo para cá e mais quatro horas para chegar aonde eles viviam. E o mais curioso é que minha irmã e eu só fomos conhecer a Capital, de fato, já garotos, porque durante toda a infância essa era a nossa rotina. Tamanha vontade de os meus pais chegarem na terra deles. Quando tinha essa chance, não passavam nenhum minuto fora de lá.
Qual ingrediente mais remete à sua origem e qual você toma como referência para o restaurante Mocotó?
Basicamente tudo o que a gente serve lá tem uma conexão com as nossas histórias aqui. Com as idas ao Sertão e as paradas pelo caminho, principalmente para comer macaxeira e carne de sol. As farinhas e os feijões, por exemplo, sempre presentes nas mesas dos meus tios e avós. Então é mais difícil encontrar um item que não remeta às nossas origens.
Em que momento você lida com a inovação numa cozinha com bases tradicionais tão fortes?
Um amigo disse certa vez que, onde a terra é mais seca, as raízes são mais profundas e acho que a gente nunca vai encontrar um sertanejo que não seja visceralmente ligado à sua terra, ao seu lugar e às suas origens. Então, quando a gente cozinha um feijão de corda, por mais tradicional que pareça, para nós, é sempre uma busca de se reafirmar e mostrar de onde viemos. Da mesma maneira, quando propomos uma abordagem nova de ingredientes tradicionais, como numa moqueca de caju, que colocamos no cardápio há pouco mais de um ano, é também uma maneira de manter essa ligação de origem clara. Só que agora mostrando que estamos num outro contexto, em outro lugar, em outro tempo. Por isso, eu acho que o Mocotó representa isso, um pouco de tradição, inovação, do que tem nas nossas origens, de onde a gente veio e onde estamos agora.
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Podemos dizer, então, que há sempre uma busca pelo equilíbrio na sua cozinha?
Equilíbrio, com certeza, é um conceito muito mais fácil de entender do que praticar. Traduzir isso para a vida ou para o restaurante em si, talvez, seja o maior desafio. Esse é o exercício que a gente faz diariamente no Mocotó. Primeiro foi intuitivo, depois foi ficando mais claro. Quando a gente cozinha, estamos sempre em busca do novo clássico. Nossa cozinha não é efêmera na intenção. E digo ‘a gente’, sem demagogia, porque esse é um esporte de coletividade, e não algo solo, na busca em criar algo que tenha significado, clareza e intenção. É com muito exercício em conjunto que a gente pode criar um novo clássico.
Nesse sentido, quais seriam os maiores exemplos?
É o caso dos dadinhos de tapioca, que acabaram se espalhando por todo o Brasil e até pelo mundo. Digamos que é um conceito novo de petisco. Ou mesmo outro prato que muita gente faz, como o torresmo, típico da cozinha popular brasileira, e que preparamos de um jeito diferente, único. Assim como a moqueca de caju, que leva tanto trabalho, estudo e pensamento em cima daquilo, que esperamos as pessoas olharem tudo aquilo e, assim como fez sentido para nós, pensarem: claro, por que não? E, de repente, você está em qualquer lugar no Brasil onde tem caju - usado para fazer caipirinha, suco e.... por que não, moqueca? Esse é um pouco do nosso jeito de abordar a inovação, sempre no sentido de construir uma nova tradição. É como Massimo Montanari diz em ‘Comida como cultura’: a tradição nada mais é do que uma inovação que deu certo.

