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Sabores

Malpassada, ao ponto ou bem passada?

Existem 12 tipos de cocção capazes de transformar a proteína que vai ao prato. Fazer a combinação certa em relação ao corte garante o sabor da receita

No Patuá, a pescada amarela é suculenta. Tem crosta resistente e carne macia No Patuá, a pescada amarela é suculenta. Tem crosta resistente e carne macia  - Foto: Leo Motta/Folha de Pernambuco

“Carne ao ponto, por favor!”, diz o cliente de um restaurante com a intenção de sacramentar seu pedido junto ao garçom. É nessa hora, tão comum na rotina de salão, que se instala o diálogo mais complexo entre consumidor e cozinheiro. As tantas vezes em que o prato volta para ajustes irreparáveis não deixam mentir. No dito popular, seria cômico, se não fosse trágico em muitos desses casos. “Não foi exatamente o que pedi”, justifica o freguês desolado. Olhando de fora, você arriscaria apontar quem está errado nessa história?

Como tudo depende de várias nuances, seria mais seguro afirmar que ambos não falaram a mesma língua. Se o exemplo for o que diz a clássica cozinha francesa, responsável por formar a grande maioria dos chefs e criar um padrão internacional, os pontos de cocção de carne se resumem apenas a três. Bem diferente das cinco ou até seis variantes do cardápio brasileiro. Por isso, é bom conhecer antes o terreno onde está se pisando. Para ter uma ideia, a cartilha gringa chama de blue, o nosso bife selado, aquele praticamente cru e em temperatura ambiente; saignant, a carne muito malpassada, na espessura de meio centímetro e quente; e au point, o ponto que, nacionalmente, pende para mal.

Segundo o chef do restaurante Patuá, em Olinda, Alcindo Queiroz, esses estágios foram subindo no Brasil e mudando completamente as definições em questão. Além das pedidas mais conhecidas, tem ainda a opção selada, com uma leve crosta por fora da proteína; a malpassada para ao ponto; ao ponto para bem passada; “e agora a de churrasco”, ironiza o chef com a noção de quem já rodou o mundo.

Por aqui, a diferença para o que se consome em terras estrangeiras tem origem na recomendação da Vigilância Sanitária. Sobre ela, você certamente já ouviu que a melhor profilaxia de várias doenças é ‘cozinhar bem antes de comer’. “Pois a população seguiu tanto à risca, que temos o costume de fazer isso até com os legumes. Pense se é fácil ver alguém daqui comendo naturalmente uma cenoura crua. Tornou-se cultural o ato de cozinhar bastante. Além disso, de fato, com o passar dos pontos, a comida fica mais saborosa, porque a gordura derrete mais, o tempero é incorporado e o sal fica bem presente”, comenta o chef.

Essa explicação tem, ainda, um porquê científico. Segundo um clássico da literatura gastronômica, o livro “Cozinha & Comida”, do americano Harold McGee, publicado em 1984, só no ato de selar, que é o rápido contato da proteína com o calor, está se preservando as características originais da carne, criando nela uma crosta escura e apurada em sabor. Essa ação química tem como base a reação de proteínas e açúcares no calor, que ativam substâncias agradáveis ao paladar.

Escolha sem erros
O proprietário do restaurante Tapa de Cuadril, em Boa Viagem, e mestre churrasqueiro, Paulo Brol, é desses apaixonados por uma boa carne vermelha. Ele lembra que muito antes de executar o cozimento, é importante levar em conta origem, raça e a forma de conservação da peça. Feito isso, é hora de realizar os procedimentos certos ainda de acordo com o tamanho da carne.


Carne branca
“A maciez, por exemplo, não está ligada à gordura entremeada, mas, sim, à genética da raça. O responsável por isso são os tipos de enzima, que agirão diretamente no tecido muscular. Existem até estudos sobre essas enzimas do animal para saber se a carne será macia ou não no futuro”, teoriza Brol. É claro que também não se pode descartar o manuseio correto.

“Cada corte merece uma cocção específica. Se eu pegar uma costela da parte traseira e colocá-la numa brasa, ela ficará dura, por ser rica em colágeno. O correto seria um processo em que ela derretesse ao ponto de irrigar a carne e torná-la mais saborosa”, completa. A dica é: todo traseiro bovino, tirando as partes que são envolvidas por colágeno, como a costela, são pedidas que, de acordo com o tamanho, podem ir direto à grelha ou numa boa chapa de ferro fundido.

Não pense que aves e peixes estão livres das regras de cozimento. No primeiro caso, servir a carne com áreas avermelhadas é erro grave. Até a delicadeza dos pescados exige a noção de que cada espécie aceita determinado tipo de cozimento. Dentro dessa abrangência, marinar, por exemplo, é para peixes suaves e sem fibra que, em contato com o suco cítrico do limão, participam de um processo químico capaz de transformar a textura e apurar sabor. É perfeito para o prato mais apreciado dos peruanos, o ceviche.

“Pra mim, a melhor opção é a pescada amarela, porque, além de tudo, tem pouca espinha e serve tanto para ir à chapa, quanto à grelha, assar e cozinhar. No total, são 12 tipos de cocção”, explica o chef Alcindo Queiroz. Outra pedida muito comum nos restaurantes é o salmão, “um peixe muito suave, frágil e que você não pode botar para cozinhar diretamente em água”, acrescenta ele. Perfeito para sushi, ele deve ser consumido o mais próximo possível do malpassado. No Patuá, ele é temperado, passa poucos minutos no forno e é selado logo em seguida.

“Quando as pessoas começam a cozinhar, eu sugiro logo peixe baixo e fino para elas passarem a entender o tempo de preparo, pois se ele for muito alto, a probabilidade de ficar duro por fora e cru por dentro é muito maior. Aqui, eu uso a cocção combinada, que é algo mais avançado. É uma panela americana que ela grelha, chapeia, frita e até cozinha no vapor”, detalha Alcindo. Para esse preparo, a sugestão é selar na frigideira, por cerca de 45 segundos cada lado, e, por fim, deixar cozinhar lentamente em fogo baixo. O ponto você descobre quando o garfo consegue entrar suavemente na carne.
carne: bife ancho (contrafilé)

Peso: 260g/cada
espessura: 1,5 cm/cada

Malpassado:
- 2 minutos de cozimento cada lado
- Carne extremamente macia
- Interior avermelhado e vibrante
- Aparência suculenta

Ao ponto:
- 3 minutos de cozimento cada lado
- Faixa rosada no centro do corte
- Carne macia ao toque
- É o mais aceito pelo público geral

Bem passado:
- 6 minutos de cozimento cada lado
- A parte de fora fica mais tostada
- Textura mais consistente
- Leve vermelhidão ao centro

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