Observatório coloca comida como protagonista no Cais do Sertão
O Observatório da Gastronomia é a primeira ação, de uma sequência futura, do museu Cais do Sertão, de fomento ao tema comida como cultura
Comida está na moda. Há pelo menos uma década. Revistas, jornais, eventos especializados, gente apostando em restaurante como o próprio negócio, tudo move uma cadeia midiática positiva para o setor. Mas mesmo com tanto entusiasmo do mercado, o assunto ainda é, de modo geral, tratado de forma superficial, sem que se compreenda o tema do ponto de vista cultural. Afinal, o que comemos, como comemos e todos os ritos envolvidos no ato da alimentação são fortes registros de uma sociedade. Timidamente, entretanto, o cenário começa a mudar. Algumas iniciativas são uma luz no fim do túnel, como a linha pública de apoio a projetos na área.
Mais recentemente, o Cais do Sertão se envolveu de vez com a temática e criou o Observatória da Gastronomia, um núcleo de discussões sobre a gastronomia de Pernambuco sob a curadoria de Gilberto Freyre Neto, gestor do equipamento e neto do sociólogo Gilberto Freyre. E é sobre esse olhar ampliado do museu sobre a comida nordestina que conversamos hoje. Em entrevista exclusiva, Gilberto explica o papel do novo núcleo e quais as ações previstas para o primeiro ano de fundação.
No apagar das luzes de 2016, o Cais do Sertão formou o Observatório da Gastronomia. Qual o objetivo do núcleo?
O Observatório tem como missão mobilizar o segmento da gastronomia em Pernambuco para selecionar áreas temáticas, para investigar a comida pernambucana dentro de um “olhar” amplo como patrimônio cultural em comparação com as complexidades do mercado da gastronomia. Além de propor e montar um conjunto de indicadores e metas integrando a tendência mundial de protagonismo da sociedade. Não há imposição ou regras estabelecidas que balizem as participações no atual momento, apenas o interesse comum de pessoas e instituições em buscar a compreensão dos valores culturais relacionados à comida. Não há nem mesmo uma paternidade ou estrutura formal de gestão, mas interesses pessoais e institucionais a serem efetivados através da obtenção de conhecimento e preservação dos nossos valores culturais.
O que motivou o museu a discutir o assunto?
O Cais do Sertão, na verdade, possui a comida como linha temática, pois tudo o que faz parte da cultura sertaneja é tema da exposição de longa duração, em que a comida e os seus múltiplos contextos integram as nossas estruturas museológicas e museográficas, principalmente agora com a aproximação da conclusão das obras do segundo módulo, onde teremos condição ampla de abordar o tema com o funcionamento do restaurante e do café bar.
Existem iniciativas semelhantes em outros estados?
Sim. Desde 2014 a cidade de Florianópolis passou a fazer parte da Rede Mundial de Cidades Criativas da Unesco, na categoria Gastronomia, criando o seu próprio observatório. Logicamente, diante das características que possuímos no mesmo tema, vislumbramos a possibilidade de participar da mesma corrente, juntamente com outras cidades brasileiras com grandes potencialidades,como Salvador e Belém. Quem sabe o Recife não se candidata a participar desta mesma rede?
Quem integra o corpo de discussões do Observatório?
O Observatório é de livre participação, mas possui uma equipe curatorial, da qual fazem parte Raul Lody, Ana Claúdia Frazão e Claudemir Barros. Todos eles profissionais bastante envolvidos com a cultura alimentar, seja na pesquisa, no registro ou na feitura dos alimentos. Mas não fica por aí. Já estamos ampliando as discussões com profissionais que integram outras áreas da gastronomia e da alimen-
tação em reuniões internas e até em reuniões abertas ao público. O desafio é fazer a aproximação da Academia e do mercado de forma inteligente para que haja equilíbrio entre a manutenção das relações entre tradição e inovação.
As discussões resultarão em ações efetivas, em intervenções no mercado?
Em conceito, o Observatório é um espaço de definição de cenários, não é um espaço executivo, mas tem hoje foco no fomento de ações de salvaguarda, valorizando e promovendo o patrimônio alimentar do nosso território. Já somos parceiros da Secretaria da Cultura, através da Assessoria de Gastronomia da Diretoria de Políticas Culturais da Fundarpe, que institui o Selo da Cozinha Patrimonial de Pernambuco, a ser lançado em julho, no Festival de Inverno de Garanhuns.
Que atores o museu pretende envolver nesse processo?
Buscamos compor uma base multidisciplinar, reunindo especialistas, pesquisadores e profissionais das áreas de ecologia e meio ambiente, agricultura, turismo, história e antropologia da alimentação, educação, gastronomia, economia, patrimônio cultural e, principalmente, os empreendedores dos diversos setores envolvidos desde a plantação até os processos finais de tratamento de resíduos alimentares que desejem contribuir com a ampliação de conhecimento deste coletivo.
Existe um calendário de ações para o primeiro ano do Observatório?
Este ano já realizamos diversas atividades internas e abertas ao público, no FIG 2017 teremos a Fundarpe realizando o lançamento do Selo da Cozinha Patrimonial, também em Garanhuns, em data a ser confirmada, um painel com o tecnólogo em laticínios Benoit Paquereau, que é gestor do Centro Tecnológico de Laticínios da Embrapa em Garanhuns - CT Laticínios. Em 2016, Benoit lançou o livro “O Queijo de Coalho em Pernambuco: Histórias e Memórias”. Sempre temas relacionados a essas ações de salvaguarda a que me referi, foco primário das ações do Observatório.
Estamos trabalhando em alguns temas chaves para a realização de palestras, encontros, rodadas de conversas ao longo do ano, que não necessariamente precisam ser realizadas no Cais do Sertão, podendo acontecer em um restaurante, em uma faculdade, universidade, com visitas de campo, por exemplo.
Alguns temas e datas estão sendo definidos, mas serão divulgados logo que possível. Os temas devem abordar as tradições dos cadernos de receita como ferramentas de fixação da memória gastronômica; a denominação de origem e o terroir como ferramenta de diferenciação de culturas de produção de alimentos e trataremos da mandioca, alimento que consideramos globalmente importante para o fornecimento de energia a uma grande massa populacional desprovida de meios de produção tecnologicamente viáveis.
Quem são os membros e o que faz cada um deles?
Não existe uma função específica para cada membro da equipe curatorial, todos trabalham mobilizando dentro da sua área de atuação, de forma que as ações do Observatório sejam realizadas e que os seus objetivos sejam atingidos em longo prazo.
Para isso, existem encontros semanais da equipe curatorial e sempre que possível teremos discussões abertas ao público.

