Qui, 25 de Dezembro

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Sabores

Unidos, novos chefs repensam a gastronomia

Jovens cozinheiros querem discutir gastronomia de olho na demanda atual, mais consciente, atuante e questionador

Nova geraçãoNova geração - Foto: Alfeu Tavares

 

Não precisa ser leitor assíduo de gastronomia para notar que os assuntos em volta da cozinha não são os mesmos de dez anos para cá. Você pode estar na mesa de um restaurante ou até no conforto da própria casa. Perceba que o verbo renovar, ou ‘trazer novamente à lembrança’, como diz o dicionário, dá a melhor pista para a linguagem de hoje que fala do ingrediente como extensão da terra de onde ele vem. É como se um não existisse sem o outro. Pensamento com dimensão coletiva e outros significados nas mãos de uma geração nova, representada pelo trabalho de cinco jovens cozinheiros do Recife.

Gi Nacarato, Carlos Vinícius Campos, Danillo Coêlho, Yuri Machado e Thiago das Chagas formam um grupo inquieto quando o assunto é gastronomia. Basta jogar um subtema na roda. É como achar dois ou três alimentos na geladeira e fazer deles um banquete. Assim tem sido o encontro dos cinco, desde o ano passado, quando começaram a discutir pontos relevantes, como a origem do pescado consumido no Nordeste e a maneira de utilizar as Plantas Alimentícias Não Convencionais, as PANCS. O conteúdo não poderia ser tão propício, por discutir o que promete ser um novo formato de serviço, mais consciente e atento às demandas sociais.

Sem esquecer a técnica
Não se deixe enganar pelo rosto jovem e nem a pouca informação que você, leitor, ainda tem sobre eles. O ponto de encontro do grupo passa pelo fato de que todos precisaram vivenciar outras cozinhas até fincarem os pés por aqui. “Saímos e tivemos contato com diferentes histórias, e isso nos fez voltar o olhar para o que temos, de fato, em Pernambuco”, diz Gi, a única mulher do time, com a noção de quem saiu de Caruaru para arriscar alto em restaurantes como Kinoshita e Mocotó, em São Paulo, os peruanos La Mar e Astrid & Gastón, seguido pelo D.O.M (SP) e Quina do Futuro (PE). “Com a habilidade em mãos, a gente entra no mesmo discurso de preparar comida para todo mundo e fazer com que mais pessoas comam aquele ingrediente de maneiras diferentes”, completa.

Juntos ou não, é fácil encontrá-los em consultorias de cardápio ou em produções autorais, como no restaurante Reteteu - Comida Honesta, onde Thiago das Chagas materializa há pouco mais de três anos sua comida farta, com técnica e preço atrativo, numa região fora do circuito tradicional, como a Encruzilhada, na Zona Norte do Recife. “Talvez nosso diferencial em relação aos mais antigos é que a técnica estava toda registrada em livros e, hoje, por acaso, estamos no Recife com a facilidade de ver pela rede social tudo o que está se passando no mundo, podendo decidir se aquilo tem a ver mesmo com você”, explica Thiago, que já morou fora do País e teve passagem por cozinhas de resort até amadurecer a vontade de trabalhar com pequenos produtores. Esses, sim, agora apontados como grandes estrelas da cozinha contemporânea.

Diálogo por toda parte
Se por muito tempo, chefs estralados cumpriram o papel de abrir caminhos para uma gastronomia técnica e artística, os cinco cozinheiros falam da necessidade de aproximação. Do agricultor ao comensal. É o que Gi Nacarato chama de empoderamento cultural, quando aquilo que está numa feira perto de casa pode se tornar insumo de uma receita tão valiosa quanto a de um cardápio tarimbado.

Através de ingredientes regionais, Yuri Machado fala de consciência e respeito à sazonalidade. “Vi muito esse olhar fora daqui, onde você trabalha com o que está disponível e não gera custos à cozinha. Isso inclui circular em feiras de orgânicos, identificar fazendas urbanas e, sim, conhecer o produtor pelo nome”, reforça. Ele promete não fugir dessa linguagem num restaurante próprio, em breve no Recife, com a habilidade de quem já buscava a prática no primeiro período da faculdade, passando por restaurantes do chef Joca Pontes e atuando em ritmo intenso nos Estados Unidos, Peru e São Paulo, onde também estagiou com Alex Atala.

Muito além do campus
Nessa eterna luta da teoria versus prática, a geração que chega ao mercado tem pressa de colocar a mão na massa. Nem que precise deixar de lado o conforto de velhos hábitos. E, talvez nisso, habite o espanto para tantos questionamentos. Que o diga Danillo Coêlho e o histórico de quem exercitou a gastronomia bem antes da formação, acumulando vivências no restaurante Mocotó e Maní, em São Paulo, El Baqueano, em Buenos Aires e, atualmente, o Forneria 1121, na Capital pernambucana. Ao lado de quem complementa suas perguntas, a vontade de realizar continua. “Sem pretensão alguma, a gente busca agir assim. Fez parte das nossas inspirações, da maneira como a gente aprendeu e que acaba fazendo naturalmente parte do nosso trabalho. Sentimos muito responsáveis em fazer comida não só como serviço, porque temos consciêndia de que estamos lidando com cultura”, solta.

Sem deixar de lado os ensinamentos do passado, o cozinheiro do projeto O Mundo Lá de Casa, Carlos Vinícius Campos, lembra: “Não deixamos de nos inspirar nos grandes nomes e no que eles fizeram ao redor do mundo, a diferença é que esse pessoal se apropriou do que é local deles. Então, porque não usar todo esse aprendizado para o que é local nosso?”, aponta. E foi a partir de um diálogo mais próximo com esse time, que o ex-estudante de farmácia e lavourista de Surubim, com passagem pela Bungue e restaurantes do Recife, engrossou o discurso de que agregar é fazer diferença. “Se antes alguém se isolava cheio de receios com uma única ideia, a fórmula agora é compartilhar e colaborar”, resume.

 

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