Vida saudável
O café, sabor e prazer - II
Quando a gente só quer uma desculpa para rever os afetos, convida: Vamos marcar um cafezinho?...
Escrevi sobre café, na última coluna, e acho que não esgotei o tema - que pretensão! Retomo-o, hoje, querendo estender o assunto do ponto de vista das reminiscências que me assolaram, e de como observo hoje em dia o culto ao café como mediador de encontros, de conversas, de pausas nos intervalos do trabalho - os chamados cafezinhos. Estas pausas, nos congressos científicos, foram batizadas com arremedos americanizados, os tais “coffee-breaks”. Em certo programa de TV os jornalistas políticos adotam o mote do “papo do cafezinho” para contarem fofocas do Planalto; papos-cabeça de pensadores já foram batizados na mídia como Cafés Filosóficos. E quando a gente só quer uma desculpa para rever os afetos, convida: Vamos marcar um cafezinho?...
Café, como disse na outra matéria, virou nome de refeição. Café da manhã e café da noite, cada um com preparações culinárias de acompanhamento, típicas do horário, do hábito, da região. Cheiro de café passado na hora, avisando que o melhor está por vir: café com pão, dupla inseparável na maioria dos lares, até hoje; café com leite, com papa de maizena, tapioca, cuscuz, macaxeira, bolo de milho quentinho, angu, munguzá, torradas, biscoito, bolacha, etc., fazem a cabeça dos nordestinos e de quem chega por aqui. Para os lados do Sul, Café Colonial: embora a bebida tradicional seja o chocolate quente, não pode faltar café; servido em bules elegantes, mas nem sempre gostoso como o daqui. E vem junto tanta comida que enjoa. A gente “come com os olhos” e passa mal, se não cuidar.
Não é à toa que as cafeterias deslancharam e promovem os chamados “combos”, com cafés especiais acompanhados de bolos ou afins, e salgados, para balancear. Tem café quente e café gelado, extraídos por métodos dos mais simples, como o prosaico filtrado em coador de pano, até os mais sofisticados, que requerem rituais e inspirações de outras esferas, quem sabe?... Nesses lugares aconchegantes são servidos, dentre outros, cafés com frutas cítricas e especiarias e “shakes” com várias camadas de pequenas delícias cujos nomes de batismo são meros artifícios linguísticos, se comparados ao aroma e ao sabor que nos esperam. E quando a cafeteria também contempla a torrefação, aí a gula é exacerbada e as papilas gustativas se assanham todas.
Modismos à parte, apreciar e degustar um bom café gera - e ressuscita - incríveis memórias afetivas. Quem de nós esquece as cenas da infância e de outras etapas da vida, em que o café esteve presente junto a lugares, pessoas e fatos queridos? Lembro com nitidez o café servido em xícaras de ágata na casa de parentes em Maceió, a quem visitei lá pelos meus seis anos de idade. Havia na casa três senhoritas de meia-idade, solteiras, tias típicas, que haviam criado minha mãe e seus irmãos, ao ficarem órfãos de mãe. Eram sisudas e me perguntaram se eu já tomava café àquela idade, ao que eu respondi: “se for com leite, mamãe deixa”. Pronto, as portas do acolhimento, com sisudez e tudo, estavam abertas.
Há alguns anos cumpro um pequeno ritual, às cinco e meia da manhã: coo meu café diretamente na caneca e tomo-o em pequenos goles, vendo o noticiário. São os momentos em que, salvo raras exceções, estou sem pressa. Ali eu celebro a vida, certa de que a paz existe dentro de nós mesmos, assim o queiramos. E me delicio com o aroma residual no fundo da caneca, enquanto me levanto para um novo dia!
Solange Carvalho Paraíso é nutricionista e atua no Tribunal de Justiça de Pernambuco no Núcleo do Programa Saúde Legal. Contato: 98654.1611
