Com final diferente do livro, “Dias Perfeitos” expõe o horror da obsessão sem pedir licença
Adaptação de Raphael Montes aposta em um retrato cru e incômodo da violência
Quando estreou na Globoplay, “Dias Perfeitos” trouxe consigo duas marcas de peso: a assinatura de Raphael Montes, um dos nomes mais populares do suspense nacional, e a responsabilidade de adaptar um de seus livros mais polêmicos.
Não há terreno confortável nessa história e a série deixa isso claro já no primeiro episódio, ao mergulhar no universo do estudante de medicina Téo (Jaffar Bambirra), cuja solidão e obsessão moldam um retrato sombrio do desejo doentio.
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A trama
No centro da trama está o encontro entre Téo e Clarice (Julia Dalavia), jovem cheia de vitalidade que sonha com o cinema. O que para ela é uma recusa repetida e enfática, para ele se transforma em combustível para uma fantasia de controle. É a partir desse ponto que “Dias Perfeitos” não hesita em escalar para o terreno mais desconfortável. O sequestro, a violência psicológica e física, e a crença delirante de Téo de que pode converter o cativeiro em romance.
A série funciona em dois registros. De um lado, o suspense que prende o espectador ao acompanhar o cerco cada vez mais sufocante em torno de Clarice. De outro, o retrato de uma violência cotidiana contra mulheres, aqui exposta em sua forma mais extrema e gráfica. A escolha da direção de não suavizar o horror dá peso à narrativa, mas também provoca debates inevitáveis. É preciso mostrar tudo, de forma tão direta, para contar essa história?
Suspense psicológico brasileiro
O elenco sustenta a ousadia do roteiro. Jaffar Bambirra dá a Téo uma frieza que assusta justamente por ser banal, ele não é um vilão caricato, mas um homem que desliza para a monstruosidade com naturalidade.
Julia Dalavia, por sua vez, entrega a Clarice a vulnerabilidade e a força necessárias para que o espectador acredite em sua luta por sobrevivência. Débora Bloch, em papel menor mas simbólico, encarna a mãe de Téo, que também acaba vítima da obsessão do filho.
“Dias Perfeitos” é, ao mesmo tempo, uma conquista e um incômodo. Conquista por levar ao streaming brasileiro um suspense psicológico de impacto, sustentado por atuações sólidas e pela ousadia de não suavizar o tema. Incômodo porque sua violência, física e simbólica, transborda para além da ficção, lembrando ao público que a obsessão masculina sobre corpos femininos não é apenas um recurso narrativo, mas uma realidade que insiste em atravessar o cotidiano.
Em última instância, a série não oferece conforto nem catarse. Ainda que o final, no audiovisual, seja diferente das páginas originais, quando colocamos em comparação, podemos chegar na mesma mensagem, a de que não há "dias perfeitos", apenas o retrato perturbador de como o amor pode ser distorcido até se tornar arma de destruição.
*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.
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