Atuando em "Guerreiros do Sol", Alinne Moraes lamenta a resiliência dos preconceitos; confira
"Guerreiros do Sol" tem episódios novos de segunda a sábado, às 18h30
A sociedade e o mundo passaram por mudanças profundas ao longo dos últimos 20 anos. Alinne Moraes, no entanto, questiona o quanto essas transformações foram efetivas no dia a dia de cada um de nós. Pouco mais de duas décadas após viver um romance lésbico entre duas estudantes em “Mulheres Apaixonadas”, em pleno horário nobre da Globo, a atriz de 42 anos retoma essa narrativa com a história de amor de entre Jânia e Otília, papel de Alice Carvalho, em “Guerreiros do Sol”, novela original Globoplay e que vai ao ar no Globoplay Novelas.
Mesmo com todos os avanços pelos direitos LGBTQIA+ dos últimos anos, Alinne ainda pondera como esse simples romance reverbera entre o público. “Infelizmente, parece que quando damos passos para frente, acabamos dando ainda mais passos para trás. Lembro que quando coloquei recentemente a Clara e Rafaela em um TBT nas redes sociais, as gerações de agora, que não acompanharam a trama, perguntaram: ‘Mas não é possível, tudo isso por conta de um selinho?’. E agora, em 2025, ainda temos selinhos sendo censurados…”, argumenta.
Na novela, Jânia é uma mulher que estudou na capital, é pouco religiosa, mas bastante ambiciosa e preparada. Chegou a sonhar que seria a sucessora do pai na administração das propriedades dele. Mas ela teve de se submeter a um casamento de interesses com Idálio, de Daniel de Oliveira. Logo nos primeiros dias, descobre que o marido é um incômodo com o qual precisa aprender a conviver e dá um jeito de tornar o fardo mais suportável, resistindo aos seus desmandos.
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“A Jânia é uma mulher muito forte. Ela leva, realmente, um novo horizonte para o sertão. Uma mulher letrada, que gosta muito de ler. Depois, na guerra do cangaço mesmo, é obrigada a se posicionar, não só como mulher, mas politicamente também. Então, é uma mulher revolucionária”, explica.
A trama de “Guerreiros do Sol” marca seu retorno às novelas. Como surgiu a oportunidade para o projeto encabeçado por George Moura e Sergio Goldenberg?
Muito bom voltar. Minha última novela eu comecei a gravar em 2019 e terminei tudo em fevereiro de 2022. Foi uma novela enorme (risos). Fiquei muito feliz com o convite do Rogério Gomes. Fiquei muito feliz quando ele me ligou, confio muito e acho que confiança é tudo na vida. Sabia que eu tinha de aceitar porque estou em ótimas mãos. Esse projeto é realmente é um espetáculo.
No enredo, Jânia vive um romance homoafetivo com Otília, papel de Alice Carvalho. Como foi essa construção em tempos de um conservadorismo crescente?
Há 20 anos, eu também interpretei uma história sobre o amor entre duas mulheres (em “Mulheres Apaixonadas”, ela viveu Clara, que tinha um romance com Rafaela, de Paula Picarelli). Infelizmente, parece que quando damos passos para frente, acabamos dando ainda mais passos para trás. Lembro que quando coloquei recentemente a Clara e a Rafaela em um TBT nas redes sociais, as gerações de agora, que não acompanharam a trama, perguntaram: “Mas não é possível, tudo isso por conta de um selinho?”. E agora, em 2025, ainda temos selinhos sendo censurados…então não sei dizer o quanto andamos para frente no tema após 20 anos. Mas fizemos um trabalho lindo. Isso posso garantir.
Como assim?
Elas formam um casal que se ama, em 1920, 1930, período em que as mulheres eram tratadas realmente como objeto, como posse masculina. A Jânia é uma personagem que leva uma visão nova, um entendimento diferente daquelas mulheres sertanejas. No início, é muito submissa, como todas as mulheres do período, mas depois, durante essa guerra do cangaço, se vê precisando se posicionar, e abraça a mulher guerreira e revolucionária que é. Foram muitas (cenas de sexo) e ficou bem chique.
Como foi essa troca em cena com a Alice Carvalho?
A Alice foi paixão à primeira vista. Ela realmente é uma grande artista, escreve maravilhosamente bem, dirige, canta divinamente…é completa. Nossa troca foi das melhores. Olha, “Guerreiros do Sol” me deu de presente a Alice na vida. Estivemos juntas por muito tempo.
De que forma?
A Alice tinha acabado de se mudar para o Rio de Janeiro para gravar “Guerreiros”. Lembrei muito quando me mudei para cá também. Eu tinha uns 17, 18 anos e fui muito bem acolhida, sabe? A Adriana Esteves, o Vladimir Brichta e o Fábio Assunção foram incríveis comigo. Não podia agir diferente. Foi o que aprendi e farei sempre na minha vida. Sou de ciências humanas, né? Mesmo que não tivesse essa afinidade, ela estaria sempre comigo.
Quais foram os maiores entraves que esse projeto trouxe para sua carreira?
Acho que o maior desafio foi trazer uma mulher do sertão. E estamos falando de uma novela que tem em sua maioria atores nordestinos no elenco. Não estávamos acostumados a ver novelas, filmes, com tantos atores do Nordeste, e assistir a isso agora é maravilhoso. Tudo muda, do jeito de falar ao sangue nos olhos. O Brasil é tão imenso, diverso. São vários países em um só. É muito bom estar junto nisso, com eles, que me puxaram.
A Jânia também traz uma série de discussões feministas para o enredo. Qual seu envolvimento com a temática?
Fui criada por duas mulheres, mães solteiras, então sempre fui feminista sem saber. Jânia é uma mulher feminista, a gente se encontra aí. Quando assume essa mulher, que tem toda uma potência para se tornar, e acaba se tornando, ela decide liderar o movimento feminista no sertão, e é até enxergada como uma espécie de bruxa. Na década de 1920 e 1930, cabeças voavam se você se assumisse, principalmente sendo uma mulher. Então, é muito bonito o que ela vai viver e fazer na cidade para as outras mulheres.
Sucesso recente
Alinne Moraes estava há quatros anos sem fazer novelas. Ainda assim, a presença da atriz no vídeo é bastante constante. Além de estrear a inédita “Guerreiros do Sol”, ela também revisita a romântica Lívia de “Além do Tempo”, que voltou ao ar recentemente no Globoplay Novelas. Há poucos meses, Alinne ainda relembrou seu trabalho em “Viver a Vida”, que foi exibida pelo antigo canal Viva. “Terminou uma e, logo depois, começou a outra (risos). ‘Além do Tempo’ me relembra um momento especial. Eu estava voltando às telas após a maternidade. Meu filho era bebê e eu ainda amamentava. Trazia ele para os Estúdios Globo”, afirma.
A trama de “Além do Tempo” leva o público ao Século XIX para acompanhar a saga de Lívia e Felipe, papel de Rafael Cardoso. Eles não sabem, mas nasceram um para o outro e, ao longo de diversas passagens pela terra, vêm tentando consolidar juntos o verdadeiro sentido da felicidade, de amar e de ser amado. “Eu tinha 33 anos e vivia uma noviça de 19. Era um grande desafio encontrar aquela ingenuidade da personagem. Foi um sucesso, um carro-chefe da programação na época. Era uma reprise muito pedida”, valoriza.
Vida real
A trama de “Guerreiros do Sol” é inspirada na história de Lampião e Maria Bonita, figuras icônicas do cangaço nordestino. Por isso mesmo, um toque de realidade cerca boa parte dos personagens criados por George Moura e Sergio Goldenberg. Alinne, inclusive, vê destaques contemporâneos na forte Jânia ao longo do folhetim. “Não é uma personagem que existiu, mas é a representação de muitas mulheres. Até de mulheres que, na época, estavam na política lutando pelo voto feminino, pela emancipação feminina. Eu a vejo como uma grande guerreira, grande mãe e uma mulher fantástica”, aponta.

