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Música

BaianaSystem lança "O mundo dá voltas", disco com participações como Gil, Anitta, Emicida e Pitty

Feito ao longo dos últimos três anos, álbum traz desafio para banda: como encaixar suas faixas nos shows? 'O melhor lugar para testar é o carnaval. Porque, virou a rua, todo mundo esquece', diz o cantor Russo Passapusso

Baiana SystemBaiana System - Foto: Reprodução/Instagram

Planos, o BaianaSystem sempre tem, muitos. Um era o de fazer o seu quinto álbum a partir de uma espécie de decalque da estrutura de “O futuro não demora”, disco de 2019.

No meio do caminho, teve a pandemia e, segundo eles, “por fatores políticos, ambientais e sociais”, acabaram lançando em 2021 um disco fora das previsões, “Oxeaxeexu”. Mas o plano seguiu.

Tudo ia bem, mas o vocalista Russo Passapusso teve tinitus, quase ficou surdo e, depois que lhe receitaram um disco do saxofonista americano Pharoah Sanders, mestre do spiritual jazz, ele resolveu que iria fazer o que chamou de “música de cura”.

De uma sessão com todo mundo tocando junto, “quase como um Sun Ra (outro músico americano mestre do spiritual jazz) baiano”, saiu este ano a faixa “Batukerê / Ogun Nilê”, com o cantor de Cabo Verde Dino D’Santiago — uma música que cabia bem nos planos do planejado novo álbum, como possível faixa de abertura, mas não resolvia de todo a sinuca de bico em que o BaianaSystem havia se metido.

"Ainda não tinha uma faixa para final do álbum! Aí me veio esta ideia: “E se se cortar ‘Batukerê’ e ‘Ogum Nilê’, afastar as duas partes e botar o disco todo no meio?”" explica Roosevelt Ribeiro de Carvalho, o Russo, que na noite de ontem enfim soltou para o mundo, junto com seus companheiros de banda, o esperado álbum do BaianaSystem, “O mundo dá voltas”.

É uma superprodução que acabou reunindo de Gilberto Gil, Pitty, Emicida, Melly e Anitta a Seu Jorge, Antonio Carlos & Jocafi, Dino D’Santiago e o músico e escritor angolano Kalaf Epalanga.

“O futuro não demora”, álbum que trouxe os hits “Sulamericano”, “Saci” e “Bola de cristal” acabou sendo, segundo o vocalista, fielmente espelhado no novo trabalho.

"Se aquele disco começou com “Água”, teve a “Melô do centro da Terra” com o (lendário percussionista baiano) Lorimbau no meio, e “Fogo” no final, este novo começa com “Batukerê”, tem a “Pote d’água” com Lorimbau e Gil no meio e “Ogum Nilê” no final" ilustra Russo Passapusso.

"Mas, em “O futuro não demora”, tudo era muito intuitivo. Neste, não, a gente tinha consciência de que ia fazer um decalque. E, pelo fato de ter consciência, a gente esperou conscientemente o tempo do disco. Mas não foi um ano nem dois que levou para fazer... foram três!"

Russo conta que, na pandemia, “a gente se sentiu tão só dentro dos nossos quartos, que, quando saiu de casa para dar continuidade a ‘O futuro não demora’, começou a abraçar todo mundo.”

Daí o sentido de “coletivo musical” que “O mundo dá voltas” trouxe, incluindo ainda participações da Orquestra Afrosinfônica (do maestro Ubiratan Marques, colaborador do Baiana) e a da atriz Alice Carvalho (outra que há tempos participa de trabalhos com a banda).

"Nossa forma de fazer música sempre foi essa. Mesmo nossos trabalhos solos nunca foram solos. O Beto (o guitarrista Roberto Barreto) acabou de lançar um disco com o Mestre Manoel (Cordeiro, às da guitarrada do Pará, que também está em “O mundo dá voltas”) e eu fiz o “Paraíso da miragem” querendo encontrar Antônio Carlos e Jocafi" conta Russo.

"Aqui a gente estava percebendo uma transição geracional. Não era o “ah, vamos botar a Anitta aqui nessa faixa”. É que a gente sabia que, se tivesse Melly com 20 e tantos anos, a gente com 40, 50 e 60 anos e a outra geração com 70 e 80, tudo misturado, a gente quebraria essa fronteira do tempo, para mostrar que todo mundo ali tem a mesma idade musical"

No meio da densa programação de “Mundo dá voltas”, a banda encontrou uma brecha para incluir o descontraído raggamuffin “Magnata”, faixa que Russo Passapusso identifica como o “momento de ruptura” do disco.

"A gente sabia que precisaria quebrar a seriedade daqueles arranjos e mostrar que isso não é uma coisa de outro mundo. Porque senão ia ficar um disco música brasileira conceitual, como se cultura fosse um negócio tipo “não, a gente pesquisou e foi no museu, na Ilha de Itaparica...”" ironiza o cantor.

"“Magnata” é uma representação do dinheiro, da coisa efêmera, da coisa tererê, da brincadeira. Entra um humor no disco, para mostrar que a gente não quer ficar só no erudito. A gente queria uma crítica com um humor mais malicioso"

Já em “Porta-retrato da família brasileira”, Dino D’Santiago e Kalafe Epalanga acabaram inserindo com a porção lusa-africana de “O mundo dá voltas”.

"Kalafe era uma paquera antiga que a gente tinha, por essa ligação com Angola e por causa de o (grupo português de kuduro angolano) Buraka Som Sistema ser uma referência muito grande pro Baiana" conta Roberto Barreto.

"A gente estava muito ainda na história dos afrobeats nigerianos, mas aí vimos que se estava falando do português, dessa língua latina. E aí, em Itaparica, surgiu o “Porta retrato da família brasileira”, um tema que o Kalafe tinha trazido como “Améfrica”"

Resta agora a questão de como o repertório de “O mundo dá voltas” será absorvido pelo show do BaianaSystem.

"É uma pergunta que a gente está se fazendo, mas também está adiando a resposta" brinca Roberto.

Para Russo Passapusso, o trabalho do BaianaSystem em seus discos é “fazer música para quando a gente não estiver mais aqui”.

E a discografia, então, é “a gente caminhando na vida, envelhecendo, morrendo, e depois a pessoa vai entender essa história”.

Já no show, é a hora de ir no tema mais forte do disco e construir a linguagem”. Tudo isso para dizer que:

"Eu acredito que, no carnaval, com a gente cantando essas músicas no trio elétrico, talvez esse repertório apareça. Por enquanto, a gente já vai colocar a “Balacobaco” e talvez a “Magnata” dentro do processo, essas faixas que são explosivas, mais fáceis de inserir no show. Mas como esse disco tem uma grande construção de canção, aí é que tá o negócio que deixa a gente curioso: se as pessoas vão cantar as músicas com os ritmos mais lentos, como vamos transpor os grandes arranjos para a linguagem mais sintetizada do Baiana... o certo é que o melhor lugar para testar é o carnaval. Porque, virou a rua, todo mundo esquece"

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