Caso Oruam: entenda o que é o Complexo da Penha, local onde o rapper buscou refúgio
Local é comandado por Edgar Alves Andrade, o Doca, e funciona como um dos QGs do Comando Vermelho, onde acontecem reuniões da cúpula
Na noite desta segunda-feira, o rapper Mauro Davi Nepomuceno, mais conhecido como Oruam, se envolveu em uma confusão com policiais da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE). Os agentes estiveram na casa do cantor, no Joá, Zona Oeste da cidade, para cumprir um mandado de busca e apreensão contra um adolescente suspeito de envolvimento com o Comando Vermelho (CV).
De acordo com a Polícia Civil, durante a abordagem ao jovem, os policiais foram atacados pelo rapper e por um grupo de oito pessoas. Após o episódio, Oruam foi para o Complexo da Penha e gravou um vídeo provocando os policiais, questionando se eles iriam atrás dele no local.
No vídeo postado nas redes sociais de Oruam, o rapper diz: “Eu quero ver você vir aqui. Me pegar aqui dentro do Complexo. Não vai me pegar, sabe por causa de quê? Porque vocês peidam”, falou ele. No vídeo, ele ainda reforçou que é “filho do Marcinho”.
A provocação foi feita porque o Complexo da Penha é um dos principais redutos do Comando Vermelho no Rio. A comunidade funciona como um dos QGs da facção, onde ocorrem reuniões da cúpula, assim como no Complexo do Alemão. Além disso, a região abriga traficantes de outros estados ligados à organização criminosa e é considerada a base operacional do CV no Rio de Janeiro.
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A área também é apontada pela polícia como um dos complexos de maior resistência armada por parte de criminosos, por se tratar de uma região conflagrada, com grande quantidade de armamento em poder dos traficantes.
A Penha é comandada por Edgar Alves Andrade, o Doca, que tem 31 mandados de prisão abertos, segundo dados do site do Conselho Nacional de Justiça.
Segundo a polícia, Doca é apontado como um dos responsáveis por ordenar invasões a territórios de comunidades que têm negócios irregulares, como a cobrança de taxas do comércio, explorados por facções rivais ou por milicianos.
Doca também é apontado em processos que tramitam no TJRJ como sendo um dos responsáveis por uma espécie de tribunal do tráfico do CV, que funciona no Complexo da Penha. De acordo com as investigações, algumas vítimas dos criminosos tiveram os respectivos destinos decididos pelo bandido.
As investigações indicam que traficantes da Penha são responsáveis, entre outros crimes, por ordenar roubos de veículos e cargas, a fim de viabilizar a compra de armas e munições, além do pagamento de “mesadas” a parentes de presos ligados à facção, incluindo suas lideranças.
Prisão preventiva decretada
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decretou a prisão preventiva de Oruam pela prática dos crimes de resistência qualificada, desacato, dano, ameaça e lesão corporal.
"Os crimes teriam ocorrido no momento em que uma equipe policial tentava cumprir, na casa do cantor, no bairro do Joá, uma diligência de busca e apreensão de um adolescente, em razão da prática de atos infracionais análogos ao tráfico de drogas e a crimes patrimoniais, expedida pela Vara da Infância e Juventude da Capital", diz a nota do TJRJ.
O mandado de prisão foi expedido pelo Plantão Judiciário nesta terça-feira.
“Analisando os autos, verifico que, no presente momento, mais adequado se faz a decretação da prisão preventiva (e não da prisão temporária), conforme sugerido pelo Ministério Público, conforme passo a expor. A prisão preventiva encontra respaldo nos artigos 311 a 313 do Código de Processo Penal e se faz pertinente para a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. E os requisitos se fazem presentes, de acordo com os elementos probatórios”, diz um trecho da decisão.
Busca por adolescente
A confusão começou quando agentes da DRE foram à casa de Oruam após receberem informações de que um adolescente, apontado como segurança de Edgar Alves de Andrade, o Doca — um dos chefes do Comando Vermelho (CV) no Rio —, estaria no local. Segundo a polícia, o jovem também é um dos fundadores da Equipe do Ódio, grupo de roubadores ligado à facção.
Segundo a polícia, uma equipe permaneceu no local monitorando o alvo a partir de uma viatura descaracterizada. Quando o adolescente saiu de casa, acompanhado de outras quatro pessoas, foi abordado pelos agentes. Naquele momento, os policiais anunciaram a apreensão do jovem e a retenção dos bens que ele portava. Durante a abordagem, segundo a polícia, Oruam e outras oito pessoas apareceram na varanda, xingando e atirando pedras contra os policiais.
“Tais elementos desceram e continuaram proferindo insultos e ameaças contra a equipe. Um deles, inclusive, citou ser filho de Márcio dos Santos Nepomuceno, o 'Marcinho VP', uma das principais lideranças do Comando Vermelho, como forma de intimidação”, diz a nota da Polícia Civil.
Ainda segundo a nota, os agentes só entraram na residência depois que um dos homens envolvidos no ataque correu para dentro do imóvel.
“Ele foi autuado em flagrante por desacato, resistência qualificada, lesão corporal, ameaça, dano e associação para o tráfico. O morador do imóvel e os demais se evadiram do local, posteriormente realizando novos ataques aos policiais por meio das redes sociais. Vale destacar que esta é a segunda vez, em menos de seis meses, que um integrante da facção criminosa é localizado no interior da mesma residência”, afirma a nota.
O adolescente, alvo do monitoramento, conseguiu fugir de dentro da viatura descaracterizada durante a confusão.
Durante o episódio, Oruam filmou o delegado Moyses Santana, titular da DRE, e xingou o policial. "Tem mais de 20 viaturas na minha casa. O mesmo delegado que me prendeu. Eu estava saindo e colocaram a pistola na minha cara. Claro que ele vai querer prender nós (sic) porque nós é filho de bandido", disse o cantor em vídeo postado nos stories.
Perfil do Oruam: quem é o rapper filho de Marcinho VP, que mais uma vez se envolveu em confusão com a polícia
"Marginal da pior espécie"
Na manhã desta terça-feira, o secretário de Polícia Civil, delegado Felipe Curi, comentou o episódio ocorrido na casa de Oruam e afirmou ao Bom Dia Rio, da TV Globo, que o rapper é um "marginal da pior espécie e ligado ao Comando Vermelho". Oruam será indiciado por associação para o tráfico, por ligação direta dele com a facção,, disse Curi.
— Se alguém, tinha dúvida se era uma marginal ou um artista periférico, está claro: é um marginal — afirmou o delegado.
Versão do Oruam
Em nota, Oruam disse que se sentiu vítima de abuso de autoridade e que só atirou pedras na polícia depois que foi ameaçado com armas de fogo, incluindo fuzis. O músico questionou também o horário da abordagem e acusou a polícia de ser preconceituosa. Segundo Oruam, os policiais também teriam rasgado e destruído pertences dele e da noiva.
''Apesar da invasão, nenhuma objeção ou suspeita foi encontrada, pois não havia motivo algum para tal ação. Além disso, durante a abordagem, meu produtor, que estava comigo, foi algemado de maneira arbitrária e sem justificativa plausível. Essa ação violenta e desproporcional, além de humilhante, gerou grande sofrimento emocional e físico para todos nós presentes'', escreveu o músico.
"Local de acoitamento de criminosos foragidos"
Consta na decisão que decretou a prisão do Oruam que a vinculação orgânica do rapper com o Comando Vermelho é evidenciada “pela reiterada utilização de sua residência como local de acoitamento de criminosos foragidos”.
A decisão ainda cita postagens feitas por Oruam nas redes sociais: “As postagens em redes sociais nas quais o representado assume postura desafiadora às autoridades constituem grave atentado, pois incentivam a desobediência civil e a resistência violenta contra o Estado Democrático de Direito.”
Além disso, também diz que a liberdade Oruam possibilita "a reiteração de condutas criminosas similares, considerando o padrão comportamental do representado de desafiar abertamente as autoridades e auxiliar criminosos foragidos".
O documento ainda fala sobre a fuga do rapper para o Complexo da Penha e diz que a atitude demonstra "inequívoco desprezo pelas determinações da Justiça e clara intenção dese furtar à ação da lei":
"A atuação do plantão judiciário, inclusive em período noturno, é justificada pela necessidade inadiável degarantir a efetividade da persecução penal, diante de um cenário de flagrante complexidade e periculosidade,com repercussões graves e possível envolvimento de facção criminosa armada. Destaque-se novamente que o investigado já se encontra em situação de fuga, tendo em vista que o delito fora praticado em situação deflagrante regular. Assim, demonstra inequívoco desprezo pelas determinações da Justiça e clara intenção dese furtar à ação da lei", diz um trecho.
Quem é Oruam?
Oruam é filho de Marcinho VP, um dos chefes históricos do Comando Vermelho, preso desde 1996 e condenado por tráfico e homicídios. A relação com o pai, que já motivou declarações públicas e manifestações nos palcos, é parte central da imagem que o artista construiu. Em 2023, subiu ao palco do Lollapalooza usando uma camiseta com os dizeres “Liberdade para Marcinho VP”.
A atitude provocou críticas, às quais ele respondeu dizendo se tratar de um “desabafo de um menor que cresceu sem o pai por perto”. Oruam tem tatuado no corpo também o nome de Elias Maluco, assassino do jornalista Tim Lopes, padrinho do rapper.
Além das polêmicas, Oruam segue no topo do gênero que ajudou a popularizar entre o público jovem. É próximo de artistas como MC Daniel, Orochi, Chefin e MC Cabelinho, e não esconde o estilo de vida que escolheu levar.
Diz ter gastado R$ 8 milhões em uma única noite em uma boate na Espanha, e ostenta nas redes um Porsche Carrera 911, um Audi TT RS e um gato da raça Savannah F1, avaliado em até R$ 120 mil. O animal, chamado Malandrex, é cuidado por sua namorada, Fernanda Valença, estudante de veterinária e influenciadora, com quem está há cinco anos.
Em fevereiro deste ano, Oruam foi preso em flagrante por abrigar, em sua casa, um foragido da Justiça. O cantor era alvo de buscas, mas os policiais encontraram em sua residência o traficante Yuri Pereira Gonçalves, que era procurado por envolvimento com organização criminosa. Com ele, foi apreendida uma pistola 9 mm com kit-rajada e munição. O rapper foi liberado horas depois.
Na semana anterior, ele já havia sido preso na orla da Barra da Tijuca, na Zona Oeste da capital, após dar um "cavalo de pau" na frente de um carro da Polícia Militar e parar virado para a contramão. Autuado em flagrante por direção perigosa, o rapper pagou uma fiança de R$ 60 mil e foi solto.
Mais recentemente, em junho, Oruam esteve envolvido em outro episódio que gerou polêmica. No dia da soltura do cantor Marlon Brendon Coelho Couto e Silva, o MC Poze do Rodo, ele subiu em um ônibus em meio a uma multidão em frente ao Complexo de Gericinó, na Zona Oeste do Rio.

