Como "Colors of the Wind", do filme "Pocahontas", se tornou hino anti-Trump de uma geração
"É tudo uma questão de melodia e significado", disse autor da música, que ganhou versões de artistas e fãs e vida própria para além do filme
Em janeiro, Lanie Pritchett expressou seu descontentamento com a segunda posse do presidente Donald Trump com a dublagem apaixonada de uma canção da Disney de 30 anos atrás. "Eu sentia uma raiva dentro de mim", disse a estudante de teatro de 22 anos da Universidade Estadual Stephen F. Austin, no Texas. "Foi um dia difícil para muitas pessoas. Pensei: 'Não posso fazer muito, mas posso dividir meus pensamentos'."
Esses pensamentos foram resumidos em alguns versos de "Colors of the wind", a balada poderosa de "Pocahontas", animação da Disney de 1995. Especificamente no trecho: "Você acha que as únicas pessoas que são pessoas são aquelas que se parecem e pensam como você / Mas se você seguir os passos de um estranho, aprenderá coisas que nunca soube, que nunca soube."
Ela postou um vídeo no TikTok com o comentário "eu discutindo com magas pelos próximos quatro anos" — "magas", vale lembrar, em referência ao slogan de Trump, "Make America Great Again". Havia também uma legenda explicando que suas visões progressistas decorrem, em parte, de "Pocahontas" ter sido seu "filme de princesa favorito quando criança". Rapidamente, o vídeo acumulou mais de 500 mil visualizações.
Pritchett, que é lésbica, foi criada em uma família conservadora no leste do Texas, onde ela e sua irmã faziam apresentações de "Colors of the wind" na sala de estar enquanto o DVD de "Pocahontas" tocava ao fundo. Ela agora vê a música como um comentário importante sobre inclusão queer, compreensão intercultural e ambientalismo.
"Obviamente, aquele filme tem seus problemas", disse Pritchett, "mas a música era muito boa".
De fato, 30 anos após a Disney lançar "Pocahontas" nos cinemas em junho de 1995, a trilha sonora vencedora do Oscar e do Grammy se tornou um ícone entre fãs das gerações millennial e Z.
No TikTok, a letra de "Colors of the Wind" ganha reinterpretações para comentar uma série de tópicos contemporâneos, incluindo imigração, Oriente Médio, Trump e Elon Musk, Black Lives Matter e exploração de petróleo. Eles tocam versões acústicas no violão, adaptam trechos de áudio para montagens e cantam animadamente a letra. Até a cantora britânica Ellie Goulding postou uma versão a cappella com a legenda "As cores do vento me radicalizaram".
A popularidade da música se torna impressionante considerando que "Pocahontas" não envelheceu bem. Assim, a música parece estar a caminho de se juntar a "When you wish upon a star" (de "Pinóquio") como um raro hino da Disney quase completamente divorciado de sua obra original.
Origem da canção
“Colors of the wind” foi escrita em 1992, quando o veterano compositor da Disney, Alan Menken, e o roteirista da Broadway, Stephen Schwartz, se reuniram no estúdio de Menken em Katonah, Nova York, para criar a balada que ancoraria a animação musical, ainda sem roteiro.
No filme, a faixa serviu para transmitir o desânimo de Pocahontas com John Smith e outros colonos ingleses que chegaram no século XVII com pouca consideração pelo povo Powhatan e pela natureza que encontraram. (“Você acha que é dono de qualquer terra em que chega.”) À medida que a música se desenrola, Pocahontas ensina Smith a respeitar a Terra e uns aos outros, “sejamos brancos ou de pele acobreada”.
Schwartz disse que suas letras foram inspiradas nas palavras do chefe Seattle do século XIX, embora a os registros históricos dos discursos de Seattle e uma suposta carta dele ao presidente Franklin Pierce, à qual Schwartz se referiu, sejam muito debatidas. Os compositores também sabiam que estavam se dirigindo a públicos contemporâneos.
“Tínhamos um desejo consciente de que o tema central fosse a proteção do meio ambiente”, disse Menken em uma entrevista. “É uma das questões vitais da nossa época.”
Leia também
• Disney+: confira as estreias de filmes e séries em julho de 2025 no streaming
• Após "Lilo & Stitch", veja quais animações da Disney irão ganhar versões live-action
• Disney e Universal processam empresa de IA: "Típico aproveitador de direitos autorais"
Menken não se lembra de nenhuma reação negativa do estúdio sobre a mensagem da música ser muito progressista. Em vez disso, depois de enviarem uma fita demo para executivos da Disney na Califórnia, disse: “Recebi um relato de que Jeffrey Katzenberg” — então chefe do estúdio — “estava andando por aí com um aparelho de som e a fita cassete, tocando para quem quisesse ouvir”.
Em seguida, os compositores contataram Judy Kuhn, uma artista da Broadway, para gravar uma demo mais formal da faixa. Kuhn, que é judia, foi informada que a Disney pretendia contratar uma indígena americana para cantar a versão final como Pocahontas, mas no final ela ainda participou da trilha sonora. (A voz nas falas de Pocahontas é da atriz indígena americana Irene Bedard.)
"Era uma época diferente, e eu realmente não pensava muito nisso", disse Kuhn em uma entrevista. "Eu estava animada por terem me convidado para fazer o filme."
No início deste ano, sua versão de "Colors of the wind" foi certificada multiplatina, após vender mais de 2 milhões de cópias. "Eu realmente espero que um dia essa música pareça pitoresca e irrelevante", disse Kuhn. "Infelizmente, ela parece cada vez mais significativa."
Mantendo a tradição, a Disney também lançou uma versão pop, para rádios, cantada por Vanessa Williams. Ela já havia sido considerada para a voz de Nala em "O Rei Leão", disse seu então empresário, mas as negociações fracassaram. Então, quando surgiu a chamada para "Colors of the wind", que alcançou a quarta posição na Billboard Hot 100, "fiquei feliz em fazer parte", disse Williams. "É tudo uma questão de melodia e significado. Quando você tem os dois ao mesmo tempo, essas são as músicas que têm longevidade."
Polêmicas de 'Pocahontas'
A música é tão atemporal que ofuscou as imagens e histórias de "Pocahontas" que a Disney prefere não abordar — incluindo as muitas liberdades que o estúdio tomou com a vida real de Pocahontas, entre elas a invenção de um romance com Smith. Ela até perdurou entre alguns fãs nativos americanos.
Alex Rose Holiday, uma cantora, compositora e palestrante motivacional navajo de 27 anos de Shiprock, Arizona, cresceu na reserva navajo assistindo a uma cópia em VHS de "Pocahontas" que sua família comprou em uma feira de rua. Três anos atrás, ela decidiu traduzir "Colors of the wind" para o navajo e frequentemente a apresenta em shows ao vivo. No palco, ela fala sobre a reação negativa ao filme, que, segundo os críticos, reforça estereótipos prejudiciais dos nativos americanos.
"Eu definitivamente via a música como algo separado do filme", disse Holiday. "Essa música captura um pouco de como vemos a natureza e como vemos o mundo." Cantar "Colors of the Wind" em uma língua nativa é uma forma de reivindicá-la, disse ela. "É resgatar algo das pessoas que a criaram e torná-la nossa."
Versões pelo mundo
As mídias sociais também ajudaram a disseminar a música pelo mundo: no Equador, Raimy Salazar fez um cover de flauta nos Andes. Na Austrália, um criador indígena do TikTok usou "Colors of the wind" para chamar a atenção para a discriminação contra os aborígenes com um clipe que foi visto mais de 1,7 milhão de vezes.
E no Canadá, três amigos compartilharam uma versão acústica na qual alteraram alguns trechos da letra para refletir suas visões pró-palestinas, invocando imagens da flora e fauna do Oriente Médio e cantando "Quão alta cresce a oliveira? Se você a cortar, nunca saberá".
"Colors of the wind" tem um "tom interessante" que "não é estritamente acusatório", disse um dos amigos, Ismael Boulanger, de 28 anos, de Toronto. “É tentar alcançar a outra pessoa e comunicar não apenas o caráter destrutivo das ações que estão acontecendo, mas também o que ela está perdendo — orgulho pela cultura e resiliência das pessoas.”
Embora também tenha havido interpretações cômicas populares, como a performance dublada de Melissa McCarthy em 2016 no "The Tonight Show Starring Jimmy Fallon", o sentimento predominante entre fãs e compositores é que "Colors of the wind" carrega uma urgência séria, tão relevante hoje quanto era há 30 anos.
"Obviamente, há temas importantes em 'Colors of the wind' que fizeram a diferença, e isso é maravilhoso", disse Menken. "Francamente, quando olho para o mundo, gostaria que tivesse feito mais diferença, mas vamos aceitar o que for possível."

