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Caetano, Erasmo, Juca Chaves: como foram escolhidas as canções de "Ainda estou aqui"

Walter Salles explica as referências musicais do filme: "Desde o início, a ideia era recriar os anos 70 com respeito, mas também com liberdade", diz o diretor

Erasmo Carlos, intérprete 'É preciso dar um jeito, meu amigo'Erasmo Carlos, intérprete 'É preciso dar um jeito, meu amigo' - Foto: Guto Costa/Divulgação

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As referências musicais de “ Ainda estou aqui” são importantes para transportar o público para aquele momento do país.

Mas algumas escolhas podem soar estranhas. Como, por exemplo, o disco “Caetano Veloso” aparece na mão de um agente da ditadura em janeiro de 1971 se foi lançado apenas meses depois?

E por que, durante a prisão de Eunice Paiva, toca “Agoniza mas não morre”, samba composto por Nelson Sargento em 1978?

"Buscamos retratar o espírito de uma época. Desde o início, a ideia era recriar os anos 70 com respeito, mas também com liberdade" diz o diretor Walter Salles.

"“Caetano Veloso” é um disco seminal, gravado em 1970 no Chappell’s Studio, em Londres. Daí termos usado a sua capa em uma cena no início de 1971"

Walter conta que a versão de “Agoniza mas não morre” usada em “Ainda estou aqui”, com Nelson Sargento à capela, foi gravada para um filme dirigido por ele e Daniela Thomas para o canal de TV franco-alemão Arte.

"Também era uma cena numa prisão, que espelhava toda a solidão e o desamparo que Eunice sentia naquele momento, na sua cela" explica o cineasta.

"“Agoniza mas não morre” é uma música sobre a resiliência do samba e da cultura brasileira. É um ponto de inflexão no filme. Ao voltar para casa, começa a jornada de resistência de Eunice Paiva"

Não houve um responsável pela trilha sonora do longa. A construção foi coletiva.

O montador Affonso Gonçalves, radicado em Los Angeles, conta que, ao começar o trabalho, já havia canções escolhidas por Walter e pelos roteiristas Murilo Hauser e Heitor Lorega.

São os casos, por exemplo, de “Jimmy, renda-se”, de Tom Zé, e “Take me back to Piauí”, de Juca Chaves. Ele foi acrescentando outras.

"Quando a (empregada) Zezé ouve rádio, é Tim Maia e Roberto Carlos. Quando a Veroca e os amigos estão ouvindo música no almoço, antes de o Rubens Paiva trocar por Juca Chaves, é (a banda britânica) Ten Years After. O que toca no Super-8 de Londres é Os Mutantes" exemplifica Affonso.

"Já quando o filme se passa nos anos 90, eu e o Walter resolvemos usar Caetano não só porque é o que a Babiu ouviria, mas também pelas letras das músicas, “Fora da ordem” e “Um índio”. Eu acredito que a música informa, de uma maneira sutil, quem os personagens são"

A canção que tem mais se destacado é “É preciso dar um jeito, meu amigo”, de Erasmo Carlos (também assinada por Roberto Carlos, por causa do acordo que havia entre eles).

A gravação que toca é a original, de 1971, do disco “Carlos, Erasmo”, um dos principais do artista. A escolha foi de Affonso, fã do disco e, especialmente, dessa faixa.

"A energia da música ajuda a contrastar o Rubens sentado na sala, preocupado, pensativo, com o Super-8 no Jardim Botânico, as crianças correndo, o Corcovado ao fundo, o sol, a alegria da família" diz ele.

"Eu fiz um corte na música para usar essa parte: “Mas estou envergonhado/ Com as coisas que eu vi/ Mas não vou ficar calado/ No conforto, acomodado/ Como tantos por aí”. A música, assim como o filme, faz um comentário sobre a época"

Público redescobre canção de Erasmo Carlos
Para Walter, a canção “fala do filme e dos seus personagens e, também, do país”.

"A música popular tem uma capacidade extraordinária de nos traduzir, de dizer quem nós somos" ressalta ele.

A redescoberta de “É preciso dar um jeito, meu amigo” se assemelha à que ocorreu com “Vapor barato” (de Jards Macalé e Waly Salomão) em 1995, por causa da inclusão em “Terra estrangeira”, filme também de Walter Salles (e Daniela Thomas) e também estrelado por Fernanda Torres.

A diferença é que, agora, há plataformas de streaming.

No YouTube, só no canal de Erasmo já são mais de 1,4 milhão de visualizações, somando-se a versão de estúdio de 1971 com a versão ao vivo de 2015, do projeto “Meus lados B”.

Segundo Léo Esteves, filho e empresário de Erasmo, houve um aumento de 455% de acessos no Spotify desde que o filme foi lançado. Está, por enquanto, na marca de 12,3 milhões de plays.

"Depois que os discos chegaram às plataformas, “Gente aberta” se tornou a mais ouvida" recorda Léo, citando outra música do álbum “Carlos, Erasmo”.

"Então, a gente sabia que a redescoberta desse lado da obra do Erasmo ia acontecer. E é um lado de que ele gostava muito, depois da Jovem Guarda e sem serem as músicas mais conhecidas"

O pedido de licenciamento de “É preciso dar um jeito, meu amigo” para uso no filme chegou antes de Erasmo morrer (em 2022). 

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