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Último filme de Silvio Tendler tem entrevista com Ken Loach e está disponível de forma gratuita

Um dos maiores documentaristas do Brasil, cineasta carioca, que morreu aos 75 anos, mantinha perfil profissional altamente produtivo

O cineasta (documentarista) brasileiro Sílvio TendlerO cineasta (documentarista) brasileiro Sílvio Tendler - Foto: Material promocional do programa 3 a 1 da TV Brasil, CC BY 3.0 BR, via Wikimedia Commons/ Reprodução

Durante a pandemia, Silvio Tendler permaneceu boa parte do tempo em seu apartamento em Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro, somente na companhia da mulher, Fabiana Fersasi, e dos dois animais de estimação, o cão da raça cane corso Camarada e a calopsita Renê, levados à casa no período da quarentena. Além da atenção com os bichos, o cineasta — que morreu nesta sexta-feira (5), aos 75 anos, em decorrência de uma infecção generalizada — não parou de trabalhar. Diante da impossibilidade de levar a câmera à rua, ele decidiu tocar as entrevistas de seus projetos por videoconferência, o que, de início, chegou a ser questionado pela equipe, pelo temor em relação à qualidade das imagens.

— Eram duas opções: fazer por videoconferência ou não fazer — lembrou Tendler, numa entrevista recente ao Globo. — Foi justamente o que me deu a possibilidade de chegar a entrevistados como o (cineasta inglês) Ken Loach, entre outros. Sem isso, não entrevistaríamos metade das pessoas.

Loach é um dos personagens do último documentário rodado pelo cineasta — "O futuro é nosso!", que atualmente está disponível gratuitamente no canal do YouTube de sua produtora, a Caliban. Da intensa produção dos últimos anos, Tendler também outros dois projetos recentemente: a exposição "Resistência retiniana", da qual faz curadoria e participa como fotógrafo; e o espetáculo "Olga e Luís Carlos, uma história de amor", sua estreia na dramaturgia e direção teatral.

Autor de mais de 70 filmes, entre curtas, médias e longas — como "Jango" (1984), "Glauber, labirinto do Brasil" (2003), "Utopia e barbárie" (2009) e "Tancredo, a travessia" (2011) —, Tendler abordou no recente "O futuro é nosso!" a precarização do trabalho no Brasil e no mundo, algo causado por eventos como a transformação tecnológica e a Reforma Trabalhista, por aqui, e seus efeitos agravados pela pandemia. Conhecido como o "o cineasta dos vencidos", o diretor assinou o último longa como "um filme utópico de Silvio Tendler", dizendo-se um otimista mesmo quando abordava temas de impacto social.

— O (diplomata) Arnaldo Carrilho, meu amigo, amenizou essa questão dos "vencidos" ao me chamar de "cineasta dos sonhos interrompidos". Ou seja, tudo recomeça — analisou o diretor, ao GLOBO, à época do lançamento. — O título do filme vem da ideia de que, apesar da precarização do trabalho, o movimento sindical não vai desaparecer, e sim se transformar.

A produção, que termina com a vitória e a posse de Lula, em seu terceiro mandato, traz uma rara cena em que o cineasta se expõe, com a câmera o registrando sendo ajudado a subir as escadas de sua sessão eleitoral, para votar. Desde 2011, Tendler enfrentava dificuldades de locomoção, depois que um defeito congênito quase o deixou tetraplégico. Operado pelo neurocirurgião Paulo Niemeyer, recuperou parte dos movimentos dos membros superiores e... seguiu trabalhando.

As limitações na locomoção não impediram Tendler de continuar fotografando, só que trocando a câmera pelo celular, em registros que fazia nas ruas pela janela do carro. Parte dessa produção esteve na exposição "Resistência retiniana", uma alusão à persistência retiniana, fenômeno que cria no cérebro a ilusão de movimento ao se ver uma sequência de imagens, já que a retina retém por uma fração de segundo cada imagem vista — o que possibilitou a origem do cinema. Curador da mostra, Tendler também selecionou trabalhos dos fotógrafos João Roberto Ripper e Antonio Scorza e da grafiteira e muralista Wira Tini, artista indígena descendente dos kokama.

A estreia na direção teatral, em 2023, retomou um projeto de Tendler dos anos 1980: filmar a história de amor entre Luís Carlos Prestes e Olga Benário (o diretor guardava em casa a claquete da produção, datada de 1986, que não foi concretizada). Levada ao cineasta por Anita Leocádia Prestes, a filha que Olga teve em 1936 no campo de concentração de Barnimstrasse, na Alemanha, a correspondência entre os dois deu origem à dramaturgia de "Olga e Luís Carlos". Com os atores Julio Adrião e Mariana MacNiven interpretando o casal, todo o processo do espetáculo também foi filmado por Tendler para virar um documentário, ainda inédito.

De volta ao Chile
Entre os próximos projetos, o diretor planejava registrar os 50 anos do golpe militar do Chile, onde morou entre 1970 e 1972, após a vitória do socialista Salvador Allende. Em setembro de 1973, já vivendo na França, ele voltou a Santiago de férias e voou para a Europa no dia 11, data em que o presidente foi morto pelas tropas do general Augusto Pinochet.

— Fui para Lima (Peru) no dia 4, e no dia 11 estava voando para Paris. Passei a viagem toda sem saber o que havia acontecido direito, e só lá foram confirmados o golpe e a morte do Allende — lembrou, ao GLOBO, na mesma entrevista, concedida em 2023. — Estarei no Chile em setembro com outros cem brasileiros que viveram lá. Minha ideia é documentar o que é o Chile hoje e também falar da vida do refugiado.

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