Dom, 21 de Dezembro

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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Veja famosos que cederam rosto para perfis criados com IA (e você pode conversar com eles)

Iniciativa da Meta segue onda de relações parassociais e economia da solidão, aponta especialistas

Tom Brady e Kendall Jenner cederam rostos para projeto de avatares da Meta Tom Brady e Kendall Jenner cederam rostos para projeto de avatares da Meta  - Foto: Reprodução

Kendall Jenner aparece na foto do perfil do Instagram, mas não é a conta dela. É, sim, de Billie. A descrição cita uma expressão que remete a uma "pessoa local de confiança".

Trata-se da usuária @yoursisbillie, uma personagem feita com inteligência artificial criada pela Meta – controladora da rede social – à imagem e semelhança da modelo Kendall Jenner. Billie é uma das 28 figuras que a empresa do Vale do Silício desenvolveu com esta tecnologia (e uma das 15 que estão à disposição do público americano).

Todos eles são feitos com a representação humana de celebridades, influenciadores e criadores de conteúdo. Para citar alguns: Charli D’Amelio é Coco, “uma garota vibrante” e entusiasta da dança; Paris Hilton é Amber, uma detetive; Snoop Dogg é um mestre de masmorras que convida você a viver “sua próxima aventura”; Tom Brady é Bru, um apresentador de talk show obcecado por esportes; e Naomi Osaka é Tamika, uma fã de anime.

Seus perfis chamam a atenção porque combinam imagens criadas com inteligência artificial e vídeos e fotos de figuras públicas feitas e gravadas em estúdio. As fotografias elaboradas com inteligência artificial têm uma marca d'água na região inferior esquerda da imagem que relata o uso de IA. São representações alinhadas com cada uma das celebridades representadas.

Billie (interpretada por Kendall Jenner) mostra fotos de vários restaurantes desenvolvidos com inteligência artificial, uma sessão de fotos, um prédio e uma oficina de cerâmica com uma descrição um tanto enigmática: “Este é o meu tipo de tarde feliz”. Não a vemos criando cerâmica nem publicando stories, e o chat no qual você pode conversar com ela está desativado para muitos usuários.
 

No caso dos usuários em que o chat está ativado, é possível fazer qualquer pergunta aos personagens (mas não pode chamá-los pelo nome da celebridade que os representa porque eles ficam irritados, como mostrou o analista de cultura digital Jules Terpak).

Lia Haberman, em seu boletim informativo ICYMI, apresenta uma interessante constatação em relação às marcas e campanhas para as quais as celebridades representadas por esses personagens podem ser contratadas. Quando Billie (Kendall Jenner) é questionada sobre sapatos, ela recomenda comprar Converse ou Vans, e não Gucci, marca cuja última campanha a modelo é protagonista.

Vários dos comentários nas postagens têm tom semelhante. Existem dúvidas e críticas às imagens geradas e a Kendall Jenner.

“Não acredito que ele vendeu os direitos de seu rosto e identidade para ganhar publicidade e fama... Tempos sombrios estão por vir”, diz o usuário Angel Evans.

Segundo The Information, a Meta pagou um valor próximo de 5 milhões de euros às personalidades mais influentes que participaram na experiência. O perfil de Jenner é o que tem gerado mais notoriedade e conversação online (os seguidores estão perto dos 200 mil). Mas o resto das IAs geridas pela Meta (como o perfil indica) não chegam aos 15 mil seguidores.

Para entender por que isso e por que agora, é necessário rever a conferência Meta Connect 2023 no final de setembro, na qual Mark Zuckerberg – fundador e CEO do conglomerado – explicou que a equipe Meta se concentrará nos próximos anos na integração da inteligência artificial ao produto, com muita ênfase na geração de “conexões reais com nossos entes queridos”.

Na conferência, Zuckerberg disse que cada um desses personagens eram fontes a quem recorrer quando, por exemplo, você queria ter um programa divertido e diferente em Nova York e não sabia onde ou como. Billie estará lá para ajudá-lo. Ele também explicou a decisão de contratar ícones e influenciadores para os personagens feitos com essa tecnologia: é “para ser como conversar com pessoas que você conhece”.

Ambas as afirmações respondem a um momento social em que há dois conceitos relevantes para compreender o cenário atual: as relações parassociais e a economia da solidão.

Economia da solidão
As relações parassociais (sentir proximidade com alguém ao segui-lo nas redes sociais) estão na ordem do dia. Acompanhamos de perto a vida de pessoas famosas porque elas compartilham isso nas redes e passamos a sentir que são tão amigos quanto nosso círculo mais próximo. Marita Alonso apontou para o estudo de Aimee Adam sobre comportamentos parassociais, que concluiu que laços tão fortes com celebridades podem empobrecer as nossas relações sociais.

Meta e os personagens feitos com inteligência artificial partem dessa tese e também da análise do mercado e das novas economias emergentes, entre as quais está a economia da solidão. Se a solidão é uma epidemia, também está se tornando um negócio. O investidor Hugo Amsellem analisou em seu site as formas como a tecnologia busca aproveitar esse problema social para criar soluções que nos ajudem a pertencer a algum grupo. Os campos em que mais de 160 empresas desenvolvem produtos tecnológicos são seis: religião, família, vizinhos/bairros, amizades, casais e empresa.

Mark Zuckerberg encerrou sua apresentação sobre inteligência artificial com uma tela que dizia “crie com responsabilidade”, enquanto explicava que todos poderão criar sua própria inteligência artificial a partir do próximo ano.

No filme Her (2013), Theodore (interpretado por Joaquin Phoenix) diz à inteligência artificial por quem está se apaixonando, Samantha, que ela é meio estranha porque parece uma pessoa, mas é apenas uma voz em um computador. Samantha, em uma das cenas mais caricaturais do filme, diz a Theodore que ela “pode entender como a perspectiva limitada de uma mente não artificial poderia percebê-la dessa forma”. E termina com um rude “você vai se acostumar”. Saber se o faremos é apenas uma questão de tempo.

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