É na crise que as startups mais se multiplicam
Em Pernambuco, 73% das empresas digitais nasceram de 2014 para cá. Ou seja, depois que a crise atingiu a economia brasileira
Se por um lado foram reduzidas as vagas no mercado de trabalho formal; por outro, a crise incentivou o brasileiro a empreender. E grande parte desses novos empreendimentos já nasceu alinhada às novas tecnologias digitais. Afinal, na recessão, também ficou claro que os negócios precisam inovar para sobreviver. O resultado foi, então, uma explosão na criação de novas empresas de tecnologia, sobretudo em Pernambuco: 73% das startups locais nasceram de 2014 para cá.
A conclusão é da aceleradora Liga Ventures, que veio a Pernambuco para fazer um diagnóstico do ecossistema de inovação criado em torno do Porto Digital e percebeu que só 27% das 181 startups pernambucanas nasceram antes de 2014, o ano em que a crise eclodiu no País. O levantamento ainda mostra que foi em 2016, período em que a economia brasileira caiu 3,6%, que os pernambucanos decidiram empreender com mais força na área de tecnologia.
“O conceito de startup começou a ganhar força no Brasil em 2012. Em 2014 e 2015, quando o brasileiro começou a ver o empreendedorismo como uma oportunidade de negócio, a ideia de resolver problemas com tecnologia e inovação já estava no nosso dia a dia”, explicou o head da área de insights e estudos de mercado da Liga Ventures, Raphael Augusto, lembrando que empreender em áreas especializadas como a tecnologia naquela situação de crise e desemprego ainda foi uma forma de os brasileiros colocarem em prática os conhecimentos técnicos adquiridos no mercado formal. “E quem aproveitou esse conhecimento pôde até voltar para o mercado, desta vez como parceiro e não como empregado da indústria”, pontuou Augusto.
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Foi o que aconteceu, por exemplo, com o engenheiro Caio Viana. Em 2016, ao perceber que não estava fácil encontrar estágio ou emprego na sua área de estudo, ele decidiu abrir uma empresa com os amigos. E o negócio, que surgiu como uma gráfica, logo foi redesenhado para ganhar ares tecnológicos e fazer parte do mercado digital. Ele começou, então, a fazer hardware para outras empresas e, desde então, já quadruplicou seu faturamento. “Remodelamos nosso negócio porque a tecnologia gera economia para as empresas”, explicou Viana, que hoje é CEO da Id3a - startup incubada do Porto Digital.
“A crise atinge mais os mercados tradicionais. E isso é fantástico para as startups, porque elas visam tornar o modelo de negócio mais ágil e mais produtivo”, confirmou o presidente da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), Amure Pinho, lembrando que “startups nascem de ideias disruptivas para solucionar problemas”.
Focar em um problema específico, por sinal, é um dos segredos das startups que nasceram nesse período e deram certo. Criada em 2014 por pernambucanos que já haviam trabalhado no Google e na Microsoft, a Acqio é um exemplo disso. A empresa oferece soluções de pagamento digital com atendimento e orientação presencial para os lojistas e, por isso, vem crescendo ano após ano. “Temos 1,2 mil franqueados em todo o Brasil e a previsão é chegar em 3,5 mil neste ano. Por isso, estamos com 12 vagas de engenheiro de software abertas no escritório do Recife, que é onde desenvolvemos todo o sistema das nossas maquininhas”, revelou a superintendente de gente e gestão da Acqio, Eliana Toledo.
É por cases de sucesso como esse que empresas de todo o Brasil têm olhado para o Porto Digital. “Há empresas interessadas em desenvolver negócios com as startups locais e também investidores que estão olhando e identificando oportunidades de investimento”, revelou Augusto, que tem apresentado os dados do ecossistema pernambucano aos parceiros da Liga Ventures, em São Paulo.
Mercado quer continuar crescendo
O ecossistema pernambucano de inovação ainda não está satisfeito com o seu volume de negócios inovadores. Segundo o Porto Digital e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação de Pernambuco (Secti-PE), o plano é continuar incentivando a criação de startups. E a Liga Ventures confirma: o mercado de tecnologia ainda tem espaço para crescer no Estado.
“Os players desse mercado querem atrair novos negócios. A expansão será a segunda fase de evolução do ecossistema pernambucano”, contou Raphael Augusto. “Locais em que existem muitas startups são locais de crescimento acelerado. Como queremos estimular a economia pernambucana, estamos investindo mais em startups”, confirmou o diretor de inovação da Secti, Alexandre Stamford, contando que um novo programa de incentivo aos negócios inovadores será lançado neste ano pelo governo.
Batizado de Ecossistemas de Inovação de Pernambuco, esse programa quer criar novos polos de tecnologia, sobretudo no interior. “Teremos mentores para acelerar startups em cinco regiões: Petrolina, Serra Talhada, Caruaru, Garanhuns e Recife”, contou Stamford, dizendo que esses mentores estão sendo capacitados para em seguida começar o trabalho com empreendedores.
“Entre abril e maio, vamos fazer uma chamada para as startups interessadas”, contou, dizendo que o governo poderá atender até 25 empresas em cada um desses polos neste ano, pois já tem R$ 290 mil para o programa. E essa mentoria deve durar oito meses. É o tempo necessário para que as empresas defina modelo de negócio e se prepare para um programa de incubação ou aceleração - processos que, se depender do Porto Digital, devem ser ampliados no Estado.
“Não são todas as empresas que dão certo, porque elas não têm viabilidade financeira no início do negócio. Por isso, precisamos ampliar as vias de fomento e aumentar o apoio aos novos negócios”, explicou o presidente do Porto Digital, Pierre Lucena, que quer triplicar o programa de incubação do parque tecnológico. “Incubamos 30 empresas hoje, mas queremos chegar a 100 em alguns anos”, contou Lucena, que promete ir atrás de recursos para executar o plano na Jump Brasil, no Bairro do Recife.
E Amure Pinho, da ABStartups, confirma: “a expectativa é que o movimento de startups continue forte, com destaque em finanças, alimentos e saúde - setores que são puxados pelo consumo interno, que está reaquecendo”.


