Mercosul-UE: Texto final da Comissão Europeia vai prever salvaguardas para agrícolas, dizem fontes
Projeto a ser apresentado hoje deve criar mecanismo para conter importações em caso de variações acima de 10%; entenda
A União Europeia publicará nesta quarta-feira o texto final de seu acordo de livre comércio com as economias do Mercosul, enquanto corre para fechar acordos comerciais com parceiros de mentalidade semelhante diante das tensões renovadas com os Estados Unidos.
A Comissão Europeia, responsável pelas questões comerciais da UE, incluirá medidas adicionais de salvaguarda no acordo, que foi provisoriamente fechado em dezembro, para apaziguar os críticos, segundo fontes familiarizadas com o processo.
O acordo precisa ser aprovado pelo Parlamento Europeu e pelos 27 Estados-membros, embora uma maioria qualificada desses países seja suficiente para a sua ratificação. Um pequeno número de países, liderados pela França, ameaça inviabilizar a adoção do pacto.
Segundo uma fonte europeia, Bruxelas quer agir rapidamente e espera alcançar um acordo com os 27 Estados-membros do bloco antes que termine 2025, enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ocupar a presidência rotativa do Mercosul.
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A medida de salvaguarda proposta para produtos agroalimentares monitoraria volumes, preços e participações de mercado em cada Estado-membro, disseram as fontes, que pediram anonimato. O mecanismo definirá critérios que acionariam medidas de controle das importações do Mercosul caso os volumes aumentem 10% ou os preços caiam 10%, acrescentaram. Um porta-voz da Comissão não respondeu de imediato a um pedido de comentário.
Para a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, "trata-se de um acordo benéfico para todas as partes, com vantagens significativas para os consumidores e as empresas" de ambos os continentes.
A União Europeia e as nações do Mercosul — Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai — concluíram em dezembro as negociações de um acordo preliminar após mais de duas décadas de tratativas. A ratificação do acordo criaria um mercado integrado de 780 milhões de consumidores, dando um impulso ao setor manufatureiro europeu, em dificuldades, e à vasta indústria agrícola do Mercosul. Mas países como a França temem o impacto do acordo sobre o setor agrícola europeu.
As salvaguardas adicionais poderiam ser suficientes para que Paris reavaliasse sua firme oposição ao acordo, considerando que a Comissão levou em conta suas preocupações ao propor um mecanismo robusto, disse uma das fontes.
A França tem se oposto ao pacto, alegando que ele exporia os agricultores europeus a uma concorrência desleal de seus pares sul-americanos, que enfrentam regulamentações menos rígidas, enquanto Polônia e Irlanda também manifestaram críticas.
A Itália manteve uma posição ambígua em relação ao acordo e declarou que não o apoiará a menos que haja mais garantias para os agricultores e para seu setor agrícola. A ratificação exigirá o apoio de uma maioria qualificada dos Estados-membros.
Desde que as negociações foram concluídas no último mês de dezembro, os sindicatos de agricultores europeus têm se mostrado muito críticos.
"A luta continua", advertiu na segunda-feira o principal sindicato agrícola francês (FNSEA), em um apelo ao presidente francês, Emmanuel Macron. A França assegurou nesta quarta-feira que a Comissão "ouviu as reservas" de Paris, mas advertiu que agora irão analisar se suas reivindicações estão bem incluídas e se são juridicamente viáveis.
O tratado deveria incluir, em particular, a possibilidade de "um único país" acionar a cláusula de salvaguarda e sua aplicação de "forma temporária" antes de uma decisão definitiva, segundo a porta-voz do governo francês, Sophie Primas.
Tanto a oposição de extrema-direita quanto a associação patronal do setor bovino denunciaram uma "traição" caso a França aceite o acordo, enquanto a esquerda radical convocou uma "mobilização geral" contra o tratado.
Em junho, por ocasião da visita do presidente Lula a Paris, o presidente Macron, chegou a afirmar que estaria disposto a assinar o acordo UE-Mercosul ainda este ano, mas somente se incluísse medidas para proteger o setor agropecuário europeu.
O acordo tem duas partes, uma política e outra comercial, e a França não pode bloquear apenas a parte comercial. Se quisesse bloquear a ratificação, deveria reunir uma "minoria de bloqueio", ou seja, ao menos quatro Estados que representem pelo menos 35% da população da União Europeia.
Apesar da oposição de alguns países do bloco, o acordo com o Mercosul conta com numerosos defensores na Europa, como a Alemanha, que busca novos mercados para suas empresas, especialmente desde o retorno de Donald Trump à Casa Branca e a imposição de tarifas sobre os produtos europeus que entram nos Estados Unidos.
Carros e carne bovina
Os exportadores de automóveis europeus também se beneficiarão da eliminação gradual das atuais tarifas de 35%. Além disso, as tarifas do Mercosul sobre produtos industriais como peças de automóveis, máquinas, produtos químicos, vestuário e têxteis também seriam eliminadas para os exportadores europeus. No total, os exportadores da UE economizarão mais de € 4 bilhões (US$ 4,7 bilhões ou R$ 25,4 bilhões) em tarifas por ano, segundo estimativas da Comissão.
Em contrapartida, a UE concederá acesso limitado a produtos agrícolas da região, incluindo alguns itens agroalimentares sensíveis como carne bovina, aves e açúcar.
A União Europeia tem sinalizado um renovado interesse em assinar novos acordos comerciais com países como Índia, Indonésia e Tailândia, a fim de reduzir a dependência dos Estados Unidos, que impuseram tarifas comerciais ao bloco. A UE também deverá anunciar nesta quarta-feira os detalhes de um acordo comercial com o México.
O pacto com o Mercosul reforçaria a presença europeia em uma região onde a China surgiu como grande fornecedora industrial e principal compradora de commodities.
O acordo também beneficiará o Brasil, a maior economia do Mercosul. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos defensores mais ativos do tratado desde que assumiu o cargo em 2023. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), as exportações ligadas à agricultura para a UE poderiam crescer em US$ 7,1 bilhões entre 2024 e 2040.

