Dom, 07 de Dezembro

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O que é a Seção 301? Entenda a investigação de Trump e o que pode acontecer com o Brasil

Processo pode durar pelo menos 12 meses, até o órgão responsável pela investigação decidir se há ou não irregularidades

Processo envolve etapas de investigação, mediação e, por fim, medidas para corrigir eventuais irregularidades no acordoProcesso envolve etapas de investigação, mediação e, por fim, medidas para corrigir eventuais irregularidades no acordo - Foto: Andrew Caballero-Reynolds/AFP

A guerra comercial e política aberta pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o Brasil chegou a um novo patamar na última terça-feira, quando o Escritório do Representante de Comércio daquele país (USTR, na sigla em inglês) abriu uma investigação sobre supostas práticas comerciais que estariam restringindo injustamente as exportações americanas ao mercado brasileiro.

A investigação, que será feita nos termos da Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA, cita desde o Pix até a venda de falsificados no comércio popular da Rua 25 de Março, em São Paulo, além do suposto cerceamento a redes sociais americanas, descontrole de desmatamento ilegal, falta de combate à corrupção e acesso ao mercado de etanol.

O anúncio da nova ofensiva ocorreu uma semana após o presidente norte-americano ameaçar impor uma tarifa de 50% sobre o Brasil.

Segundo o ex-secretário de comércio exterior, Welber Barral, embora as duas ofensivas sejam distintas, com base em diferentes fundamentos legais, elas podem se complementar em um combo de retaliações ao país.

— Uma pode se somar à outra. E, mesmo se ele não aplicar essa tarifa de 50%, continua tendo uma pressão e uma instabilidade muito grande para o Brasil.

Confira abaixo mais detalhes sobre o que é a Seção 301 e o que pode acontecer com o Brasil na investigação de Trump.

O que é a Seção 301?
A Seção 301 é uma parte da Lei de Comércio dos EUA, em 1974, que permite que o Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR) realize apurações sobre práticas que supostamente prejudicam o comércio internacional americano e determine se há ou não irregularidades. A intenção é punir ações consideradas discriminatórias contra empresas americanas com sanções aos países-alvo.

Caso o órgão determine que o Brasil possui realmente práticas anticompetitivas nas relações comerciais entre os dois países, ele pode determinar a adoção de medidas de compensação e retaliatórias.

Um dos aspectos excêntricos no caso atual de Trump é que ele anunciou primeiro tarifas punitivas e depois abriu u a investigação.

Como é feita a investigação?
O uso da Seção 301 deve respeitar um trâmite que vai do início de diálogo com o parceiro comercial, passando por uma investigação, mediação e, por fim, medidas para corrigir eventuais irregularidades no acordo. O processo completo dura pelo menos 12 meses, podendo ser estendido.

— É um procedimento bastante regulado, tem prazo para manifestação, tem consulta pública, tem audiência, antes de ter um relatório final do USTR. E o Brasil pode se manifestar no processo, os exportadores brasileiros podem participar da audiência pública. Mas a decisão vai ser deles (do órgão americano) — explica Barral.

Dada a abertura da investigação, o governo brasileiro tem até 18 de agosto para apresentar sua defesa por escrito. Uma audiência pública sobre o caso está marcada para o dia 3 de setembro.

Quais riscos o Brasil corre?
De acordo com Barral, caso o órgão julgue que há irregularidades, os Estados Unidos terão aval para ampliar sua retaliação ao Brasil, com imposição de tarifas extras, restrições à importação, suspensão de benefícios comerciais, entre outras medidas.

— Vai haver uma recomendação do USTR no final do processo, que vai dizer se há discriminação ou não, se vai aplicar ou não alguma retaliação, se vai ser tarifária, e se sim, contra quais setores, ou se haverá alguma outra medida — explica o especialista.

Ele explica que os itens investigados, como o Pix, podem ser impactados com retaliações como sanções a serviços financeiros do Brasil, legitimando alguma restrição à atividade de bancos brasileiros, embora Barral acredite que seja difícil considerar o Pix como atividade discriminatória, uma vez que esse serviço não impede o trabalho de empresas americanas.

O Brasil pode recorrer à OMC?
Na visão de Barral, o Brasil não só pode, como deve, começar um litígio contencioso na Organização Mundial do Comércio (OMC). No entanto, é um processo lento, que pode durar entre três e quatro anos.

— Com isso, temos dois riscos: o primeiro é que vai passar muito tempo, e o segundo é o Brasil ganhar e o Trump não obedecer, como não vem obedecendo várias decisões da OMC.

Quais países já foram investigados pela Seção 301?
Embora o uso da Seção 301 não seja recorrente, ele também não é inédito.

O próprio Brasil já passou por investigação do Escritório do Representante de Comércio dos EUA, com base na Seção 301, em 1985 e em 1987, com denúncias relacionadas a uma restrição do acesso de empresas americanas de tecnologia ao mercado brasileiro e acusação de falta de concessão de pedidos de patentes biofarmacêuticas.

Outros países e blocos como a China, o Japão, a Índia, e até a União Europeia já foram investigados em processos semelhantes.

Atualmente, a Seção 301 já está investigando a Nicarágua, indicando supostas práticas irregulares relacionadas a direitos trabalhistas, direitos humanos e o Estado de Direito.

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