Traumas na cabeça podem deixar sequelas graves em atletas
Morte de lutador reacende debate sobre riscos inerentes aos atletas que praticam esportes de maior contato
Na última segunda-feira (11), um dia depois de sentir-se mal e desmaiar após uma luta no evento Ichiban Kickboxing, realizado em Mogi das Cruzes, São Paulo, o lutador Rafael Beiton, que treinava e morava no Recife, faleceu vítima de traumatismo cranioencefálico e hipertensão intracraniana. As investigações da 1ª Delegacia de Polícia de Mogi das Cruzes ainda apuram se as lesões na cabeça do atleta, que tinha 31 anos, foram em decorrência de traumas sofridos durante os dois dias de competição, nos quais fez quatro lutas, ou de uma queda no banheiro, onde ele desmaiou após encerrar a sua participação.
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Embora não se saiba ainda o que de fato levou à morte de Beiton, o caso reacende o debate acerca dos riscos inerentes aos atletas que praticam esportes de maior contato, a exemplo de lutas como o próprio kickboxing, mas também o boxe, o MMA e ainda o futebol americano. Segundo o neurologista Paulo Brito, existem duas situações dentro desse contexto, o trauma agudo e as pancadas crônicas. O trauma agudo se refere a lesões de maior impacto imediato, como uma pancada forte (soco, paulada), uma queda, um acidente. “Nem sempre um trauma agudo vai levar a uma situação de gravidade. Depende muito do local afetado, pois há áreas mais vulneráveis, com risco de rompimento de artéria (algumas tem a espessura de um fio de cabelo), risco de hematomas extradural e epidural, que podem necessitar de atendimento médico imediato ou até cirurgia”, explica o médico.
As pancadas crônicas, por sua vez, não causam desmaios, nem levam a óbito em curto período de tempo. No entanto, a continuidade dessas lesões provoca microtraumatismos que a longo prazo podem causar sequelas significativas. “Pode acontecer em várias profissões, mas o boxe, as lutas que têm golpes na cabeça, são mais explícitas. A proteína TAU, presente na composição das células e neurônios, tem sua função normal alterada e desencadeia danos”, comenta Paulo Brito, citando o estudo do neuropatologista Bennet Omalu, nigeriano-americano, primeiro a identificar e relatar achados acerca da Encefalopatia Traumática Crônica (ETC), no início dos anos 2000. “Na época, ele foi perseguido nos Estados Unidos, pois falava algo negativo ao pugilismo em um ambiente onde a indústria do esporte é muito forte”, destaca Brito.
A ETC é uma doença degenerativa que tem como gatilho inicial o trauma repetitivo em qualquer área da cabeça. Já foi popularmente chamada de “demência dos pugilistas”, mas, além de demência e perda de memória, pode causar também tremores, dificuldade na fala e na locomoção, agressividade, depressão e outros descontroles emocionais, a depender das regiões afetadas. A proteína TAU dá estabilidade ao transporte de substâncias dentro da célula nervosa. Em determinadas doenças degenerativas, como a ETC e também o Alzheimer, ela tem sua estrutura modificada e perde a função, prejudicando o funcionamento do neurônio, matando células nervosas.
Embora o estudo de Omalu tenha sido baseado na autópsia de ex-pugilistas, comprovando os riscos inerentes à modalidade, não é somente o boxe ou as lutas em geral que apresentam esse quadro. O futebol americano, que move milhões de dólares ao redor do mundo, é outro esporte que está sempre em foco neste tema. Uma pesquisa da neuropatologista norte-americana Ann McKee, publicada pelo The New York Times em 2017, estudou 202 cérebros, sendo 111 de ex-jogadores da National Football League (NFL). Desses, 110 apresentavam sinais de ETC. Frente a isso, McKee disse não mais cogitar se o esporte pode provocar danos neurológicos, mas afirmar que sim e propor um debate sobre o tema.

